Autor do projeto de lei que facilita exploração privada do saneamento, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse que esse setor é monopolizado por companhias estaduais de água e esgoto que, em geral, são ineficientes e que não atendem regiões como periferias e cidades de interior.
Com uma meta de expandir o saneamento básico a 80% das residências do país, o plano, aprovado pelo Senado nesta quinta-feira (6), abre esse mercado para a iniciativa privada, que poderá concorrer numa licitação pelo serviço de água e esgoto contra as empresas estaduais.
Sem o capital privado e o estímulo à competição no setor, Jereissati diz não acreditar que essa meta será alcançada.
“São pessoas que, nesse aspecto, vivem na Idade Média. Nós estamos vivendo com um tablet na mão e com o pé no esgoto. Isso é uma vergonha”, afirmou, em entrevista à Folha.
O projeto foi elogiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados.
Qual são os principais pontos do projeto e qual a importância dele?
Esse é um dos projetos mais importantes aqui no Congresso Nacional. Estamos falando de cerca de 100 milhões de brasileiros que não têm saneamento básico.
Quem não tem saneamento básico não tem saúde, não tem produtividade. São pessoas que, nesse aspecto, vivem na Idade Média.
Nós estamos vivendo com um tablet na mão e com o pé no esgoto. Isso é uma vergonha. Hoje, o telefone chega em todo lugar, mas o básico do básico você não tem.
Qual o objetivo do projeto?
O objetivo não é ideológico; nem estatizar, nem privatizar. O objetivo é alcançar pelo menos 80% de cobertura em dez anos.
Para se chegar a isso, você precisaria de cerca de R$ 550 bilhões de investimentos.
Nós estamos vivendo aqui, no Brasil, uma crise fiscal. Nós temos de atrair a iniciativa privada para juntar esforços e alcançar essa meta. Então o projeto abre as portas, sem acabar com as companhias estaduais.
Quais são os critérios para essa meta de 80% de cobertura de saneamento em dez anos?
A cobertura atual é de aproximadamente 50%, considerando água tratada chegando na população, coleta de esgoto, porque alguns têm coleta, mas não tem tratamento.
O objetivo é que essas pessoas tenham todo o ciclo. A maioria dos municípios brasileiros tem esgoto a céu aberto.
Por que o Brasil ainda está nessa situação, senador?
Nós implantamos um sistema que é paralisador. Um dos principais mecanismos desse sistema é o chamado contrato de programa. Isso não é um detalhe.
Esse contrato só pode ser feito entre duas entidades públicas. Então não tem licitação nem competição. É um monopólio exercido pelas companhias estaduais de água e esgoto, salvo poucas prefeituras que fizeram já a abertura [do mercado].
As companhias estaduais de água e esgoto têm uma ineficiência enorme hoje. A média do Brasil de desperdício de água é cerca de 38%.
Qual a atual situação das empresas estaduais?
O Brasil, nesse setor, está praticamente parado, o que é diferente do setor de telefonia, eletricidade. Então o saneamento está monopolizado por essas companhias que não têm, em sua grande maioria, recursos para investir.
Como boa parte da população brasileira de classe média, classe média alta tem saneamento básico, isso, por uma estranha razão, não é um problema gravíssimo que estamos enfrentando.
Qual seria a consequência da abertura desse mercado?
O efeito esperado, com base nas tendências mundiais, é tornar [o saneamento no Brasil] atrativo para a iniciativa privada com agências reguladoras que definem metas a alcançar, períodos para chegar a essas metas e controle de tarifas.
Sem a iniciativa privada, é possível chegar à meta de 80% de cobertura de saneamento?
Não tem dinheiro para isso. E não tem eficiência para isso.
Uma das críticas ao projeto é deixar para o interesse privado um serviço básico.
É como ocorreu na telefonia. E hoje nós estamos melhor em telefonia do que em saneamento. A ideia é usar o interesse privado a favor do serviço público. Nós queremos é que haja competição.
O projeto não mata a empresa pública, e sim abre para a competição. Aquele que oferecer à população o melhor serviço e as melhores tarifas é que vai ser ganhador; não interessa se é privado ou público.
O que deve acontecer com as empresas públicas se for permitida a entrada da iniciativa privada?
Melhorar a eficiência delas. E essa é a grande resistência: é a insegurança dessas empresas públicas em ter de competir, porque elas não são eliminadas. E vai ser bom para elas, porque elas vão ser estimuladas a ser competitivas. Elas têm capacidade de ser até mais competitivas que a iniciativa privada.
Na sua opinião, as companhias estaduais têm atuado com base no interesse público, por exemplo, em áreas periféricas, ou acabam operando só nas regiões mais rentáveis?
Os grandes centros brasileiros, as regiões mais centrais têm saneamento básico. As periferias das cidades, os pequenos municípios não têm saneamento básico. Então, elas não fizeram investimentos, pelo retrato atual, nas áreas mais pobres.
Essas regiões mais pobres podem ser rentáveis?
Podem ser, dependendo do nível de eficiência que a empresa tiver. Mas o projeto permite que a licitação seja feita em blocos. A operadora terá de atuar em municípios mais rentáveis e em áreas menos rentáveis.
Quem vencer a licitação terá de cumprir metas, um plano. Todo o projeto é voltado para melhorias no saneamento nessas regiões.
Por que há governadores contra o projeto? Há interesse em manter o poder em uma companhia estadual?
Não acho que é isso. Boa parte estava mal informada sobre o projeto. Acho que é mais uma insegurança em ter competição. As estaduais só desaparecem se forem extremamente ineficientes.
Como está o apoio na Câmara ao projeto?
O presidente [da Câmara], Rodrigo Maia (DEM-RJ), leu o projeto e se interessou. Ele está muito a favor. Chegando lá, ele coloca o texto em tramitação. Não sei como a Câmara vê esse projeto.
Como é hoje
Novas regras
Fim dos lixões
Fonte: Folha de S. Paulo, 06/06/2019
Por: Thiago Resende