As revelações sobre possíveis ilegalidades no contrato para compras da vacina Covaxin levantam “indícios de interesses escusos” por trás da decisão do governo Jair Bolsonaro de privilegiar o imunizante indiano em detrimento de outras opções mais baratas como Pfizer, acredita o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Em entrevista à BBC News Brasil, o parlamentar, membro titular da CPI da Covid, defendeu uma “investigação muito profunda” para esclarecer se houve crime de corrupção.
Caso isso se comprove, diz, haveria um “caso extremo” que justificaria o impeachment de Bolsonaro. Sem isso, Jereissati tem se colocado contra a possibilidade de abertura de um processo, por entender que seria “demoradíssimo e complicado” em meio à pandemia que já matou mais de 500 mil pessoas no país.
“Eu só acredito na hipótese do impeachment e só votaria por um impeachment no caso extremo. Qual seria o caso extremo? O caso extremo seria, por exemplo, que nessa história da Covaxin chegássemos à conclusão que havia interesses escusos atrás disso e não haja explicação para o assunto. Aí não tem jeito, porque simplesmente se negou à população brasileira uma vacina (Pfizer) que teria salvo vidas e vidas em função de um interesse escuso (por privilegiar a Covaxin)”, disse.
Nesta sexta-feira (25/06), ocorrem na CPI os depoimentos do servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luís Claudio Miranda (DEM-DF) – ambos denunciaram supostas ilegalidades no contrato diretamente a Bolsonaro em março. O presidente disse que levaria o caso à Polícia Federal, mas não há confirmação de que isso ocorreu.
“A melhor das hipóteses é que houve prevaricação, porque ele tomou conhecimento do fato, disse ao seu interlocutor, no caso o deputado, que iria avisar a Polícia Federal, e não avisou. Então, essa é a melhor hipótese diante de tudo que, aparentemente, aconteceu”, afirma Jereissati.
Segundo o senador, a CPI vai avaliar também a quebra de sigilo fiscal e bancário das empresas envolvidas na negociação. Além da Precisa Medicamentos, que é a intermediária entre o governo brasileiro a indiana Bharat Biotech, a empresa Cingapura Madison Biotech foi indicada no contrato para receber US$ 45 milhões adiantados do contrato de R$ 1,6 bilhão para aquisição de 20 milhões de doses.
O governo brasileiro aceitou em fevereiro deste ano pagar US$ 15 (R$ 80,70 na cotação da época) por dose da Covaxin, antes mesmo de firmar contrato para compra de vacinas da Pfizer por US$ 10, que vinham sendo oferecidas desde 2020.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida na quinta-feira (24/6).
BBC News Brasil – O presidente Jair Bolsonaro se viu acuado nos últimos dias com uma série de denúncias envolvendo o contrato de compra da vacina Covaxin. Como o senhor avalia esse caso e o impacto para o governo?
Tasso Jereissati – Essa notícia é tão grave que eu não queria dar uma previsão das consequências dela. Como você sabe, amanhã (esta sexta-feira) nós vamos ouvir na CPI o funcionário da Secretaria do Ministério de Saúde (Luis Ricardo Miranda) que fez uma das denúncias e o irmão dele, o deputado (Luis Cláudio Miranda) que levou o caso ao presidente Bolsonaro.
Ele é tão grave que é preciso aprofundar com muita tranquilidade, porque muda a direção e o sentimento da CPI e de todos aqueles que estão investigando o assunto com profundidade completamente.
Até agora, alguns pontos estão consolidados. Primeiro que o grande guarda-chuva inicial do governo para sua estratégia de combate foi a tal da imunidade de rebanho. E, dentro dessa tese da imunidade de rebanho, considerar que a vacina não era tão importante e nem que o vírus era tão letal, a chamada gripezinha.
Desta maneira, o recado que eles começaram a passar e a tese de combate era: “deixa infectar porque existe um remédio, que é a cloroquina, você faz o tratamento, e as pessoas se infectando o mais rápido possível mais cedo termina a pandemia”. Também, em função desta visão, se tornou até essa negligência na compra da vacina Pfizer, o deboche em relação à CoronaVac, do Butantan e da Sinovac.
Agora, em relação especificamente à vacina surge outro indício que o problema não era só de uma visão da imunidade rebanho, tinha interesses no mínimo escusos por trás disso tudo que fizeram com que a Pfizer fosse ignorada e a Butantan fosse até ridicularizada, por outro interesse que nós vamos investigar qual é.
Então, isso é tão grave que a percepção passa a ser outra do problema. Tem a ver com corrupção, ou com qualquer outra coisa parecida. Para chegar a isso, é preciso uma investigação muito profunda para que nós possamos dizer, realmente, o que aconteceu.
BBC News Brasil – Além dos depoimentos que ocorrem nesta sexta, já há pedidos da CPI de quebras de sigilo fiscal e telemático [de dados de telecomunicação e informática] de pessoas envolvidas no contrato. A partir disso, os senhores pretendem esclarecer se houve alguma ilegalidade?
Tasso Jereissati – Exatamente, teremos esses depoimentos [nesta sexta] e [vamos analisar] pedidos para quebra de sigilos de uma porção de empresas porque já apareceram várias empresas [envolvidas]. Primeiro era só a empresa Precisa, que fez a intermediação na compra [entre o governo brasileiro e o laboratório indiano]. Depois, apareceu uma outra empresa para quem foi faturado [o pagamento do contrato], que também não era na Índia, é em Cingapura. E é uma empresa, aparentemente, cujo o endereço que ela deu é uma [sede de] fachada, uma residência.
Enfim, até chegar à empresa produtora da Covaxin. Então, cada vez aparecem mais intermediários, que nós precisamos investigar, para não fazer levianamente nenhum tipo de acusação. Se você junta essas várias intermediárias e a questão do preço [mais caro da Covaxin], a coisa fica muito estranha e a gente precisa assegurar melhor [o que houve].
BBC News Brasil – O servidor Luis Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado Luis Claudio Miranda, foram ao presidente Jair Bolsonaro em março levar essas informações de possíveis ilegalidades. Por outro lado, o ministro Onyx Lorenzoni anunciou investigações contra esses denunciantes na quarta-feira. O senhor vê alguma tentativa de coação desses denunciantes?
Tasso Jereissati – Claro, é tão evidente, [dizer que não] é como negar a existência do sol. A declaração do ministro Onyx que, em vez de investigar as denúncias, investiga o denunciante na tentativa de desqualificá-lo, e não dá nenhuma resposta e nenhuma explicação sobre a denúncia, colocar Ministério Público e polícia em cima do denunciante é claramente uma tentativa de intimidação.
E o pior, no final, ele faz uma ameaça clara até à integridade física do denunciante, quando ele diz que “você vai se haver com Deus, mas antes você vai se haver conosco aqui”. Muito grave isso, partindo de um ministro ligado diretamente ao presidente da República.
BBC News Brasil – E a CPI pretende tomar alguma atitude em relação ao ministro Onyx por causa dessas falas?
Tasso Jereissati – Amanhã (esta sexta) nós vamos ouvir melhor [no depoimento dos irmãos Miranda] como foi todo o roteiro dessas conversas, e daí tomar as medidas que forem necessárias.
BBC News Brasil – Até o momento não há informação de que houve, de fato, alguma investigação aberta na Polícia Federal a pedido do presidente para apurar as denúncias levadas a ele em março. O senhor vê possível prevaricação por parte do presidente?
Tasso Jereissati – A melhor das hipóteses é que houve prevaricação, porque ele tomou conhecimento do fato, disse ao seu interlocutor, no caso o deputado, que iria avisar a Polícia Federal, e não avisou. Então, essa é a melhor hipótese diante de tudo que, aparentemente, aconteceu.
BBC News Brasil – O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse essa semana que a CPI da Covid não vai trazer efeito algum. O senhor vê esse risco ou já vê efeitos da CPI?
Tasso Jereissati – Os efeitos da CPI são evidentes. Nós ainda nem temos relatório, não chegamos ao final [do funcionamento da comissão], temos ainda muita coisa por vir, nós mesmo estamos discutindo sobre um fato novo [o contrato da Covaxin], mas várias mudanças já aconteceram para o bem.
Por exemplo, a troca do ministro da Saúde, [Eduardo] Pazuello, a troca do ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], que era um estorvo no relacionamento do Brasil com o exterior. A própria pressa que o governo passou a ter para compra de vacinas.
Então, [Bolsonaro tomou essas decisões] extremamente pressionado, não somente pela CPI, mas pela opinião pública de uma maneira geral, e a CPI tem tido o papel fundamental nisso.
BBC News Brasil – Na próxima semana, deve ser apresentado o que vem sendo chamado de super pedido de impeachment contra Bolsonaro, articulado por partidos de centro-esquerda e ex-aliados do presidente, como os deputados Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP). Diante do desgaste causado pelas denúncias do contrato da Covaxin e as recentes manifestações de rua, o senhor vê aumento das chances de um processo prosperar, ou isso deve continuar bloqueado pela base de Bolsonaro no Congresso e o presidente da Câmara, Arthur Lira?
Tasso Jereissati – Eu só acredito na hipótese do impeachment e só votaria por um impeachment no caso extremo. Qual seria o caso extremo? O caso extremo seria, por exemplo, que nessa história da Covaxin chegássemos à conclusão que havia interesses escusos atrás disso e não haja explicação para o assunto. Aí não tem jeito, porque simplesmente se negou à população brasileira uma vacina [Pfizer] que teria salvo vidas e vidas em função de um interesse escuso [por privilegiar a Covaxin].
No entanto, a princípio eu não queria um impeachment agora. Eu acho que o presidente tem ainda uma base de apoiadores grande, o impeachment é um processo demoradíssimo, complicado, tem uma fase de transição, em que o vice-presidente da República assume provisoriamente, e seria muito ruim se isso acontecesse agora ainda em plena pandemia. Não seria bom para o país. O melhor é que a mudança de presidente seja feita pelo voto nas próximas eleições do ano que vem.
BBC News Brasil – Na sua resposta, me parece que o senhor estava comparando a negociação do governo Bolsonaro com a Pfizer e para a compra da Covaxin. O que chama atenção na diferença dessas duas negociações e por que o senhor vê um problema nisso?
Tasso Jereissati – Tem tantas diferenças. Primeiro que a Pfizer é uma renomada empresa farmacêutica mundial e sua tecnologia para fazer a vacina, das ofertas iniciais [de vacinas], foi aceita no mundo inteiro, principalmente no mundo mais desenvolvido, os países mais ligados à ciência, a Europa toda, os Estados Unidos, Canadá, etc.
E tem mais de oitenta correspondências [ao governo Bolsonaro] da Pfizer sem resposta. Não é que respondeu que não [queria], sem resposta. Isso é um processo que durou mais de seis meses. O próprio presidente da República criticou a Pfizer várias vezes quando se cobrava dele [a compra da vacina]. E ele criticou, disse até que com a tecnologia da Pfizer a gente podia virar jacaré, coisas desse tipo.
Então, com a Covaxin, que não tem essa reputação, nenhum país tinha comprado, nem tinha a fase três da pesquisa ainda, era um preço mais alto do que as outras, o prazo de entrega mais longo, e houve uma pressa absoluta em relação à compra. Uma pressa que, segundo o funcionário [do Ministério da Saúde] disse ao Ministério Público, era uma pressão imensa pra que ele fechasse o assunto.
Terceiro: vinha com cláusula de pagamento antecipado. O governo chegou até empenhar [os valores]. Empenhar significa que aquele dinheiro está guardado só para o pagamento daquela compra dentro do Orçamento, só falta assinar o cheque.
Outra diferença é que a Covaxin era a única [opção de vacina comprada pelo governo brasileiro] que tinha intermediário na negociação. Não era diretamente com o laboratório, mas através de um, dois ou três intermediários, sem, inclusive, a devida qualificação, idoneidade etc.
E o preço [da Covaxin é] mais alto do que o da Pfizer, mais alto do que o da AstraZeneca. Esse conjunto de coisas é que leva a essa diferença enorme, e nós queremos saber o porquê dessa diferença.
BBC News Brasil – O senhor disse que o melhor caminho para retirar Bolsonaro da Presidência da República seria as urnas. Por outro lado, há um crescente temor de como o presidente vai reagir caso perca a reeleição. Ele tem levantado suspeitas de fraudes nas urnas eletrônicas e há um temor de que vai tentar, em caso de derrota, deslegitimar e não reconhecer o resultado. Esse risco preocupa o senhor?
Tasso Jereissati – É evidente que o presidente Bolsonaro está ameaçando o Brasil de uma intervenção e medidas extraordinárias fora da Constituição nas próximas eleições. Eu acho que quase como avisando ao país que ele vai fazer alguma coisa.
O conjunto das suas ações, das suas declarações, leva a essa preocupação. É cada vez maior essa preocupação e cada vez mais presente nos outros Poderes, tanto no Legislativo, quanto no Judiciário, e até dentro da sociedade civil. Até o empresariado, que teve no início uma certa simpatia pelo presidente, hoje está preocupado com essa possibilidade de quebra das instituições.
No entanto, eu não acredito que venha ser bem sucedido uma tentativa dessa. Porque ele não vai ter o apoio da Justiça, Ele não vai ter o apoio do Legislativo, ele não vai ter o apoio da grande imprensa, e vai ter uma desaprovação total da comunidade internacional, o que levaria o presidente a um isolamento fatal.
E o pior, não teria nenhum apoio da opinião pública, o que torna pra mim, [devido a] esse conjunto de coisas, a probabilidade de ter sucesso numa aventura dessa é muito pequena.
BBC News Brasil – Algumas pessoas temem que Bolsonaro possa ter apoio nas Forças Armadas ou nas polícias militares. O senhor acredita que pode haver apoio de parte dessas instituições a uma iniciativa do presidente contra o resultado da eleição?
Tasso Jereissati – Apesar de o presidente ter dado algumas demonstrações de suporte pelas Forças Armadas dos seus atos, essas [ações de Bolsonaro junto aos militares] também têm causado desgaste do presidente dentro das Forças Armadas. Se há algum suporte? Parece que sim, mas que há uma enorme desaprovação dentro das Forças Armadas, também parece que sim.
É verdade, o presidente está muito entranhado nas polícias militares, mas qualquer tentativa de insubordinação hoje, sem o apoio de todas essas instituições que eu falei (na resposta anterior), é fadado ao fracasso.
BBC News Brasil – Na semana passada eu entrevistei o deputado Rodrigo Maia e ele disse que, mesmo dentro de partidos do centro liberal, há muito apoio de parlamentares ao presidente Jair Bolsonaro, o que ele atribui a interesse por verbas do Orçamento para suas bases eleitorais. Maia cita o PSDB entre esses partidos. O senhor concorda com essa análise? Vê apoio relevante dentro do PSDB a Bolsonaro?
Tasso Jereissati – Eu acho que existe isso em todos os partidos, todos os partidos são mordidos pelo fisiologismo, praticamente todos. Há alguns mais outros menos.
Eu acho que o PSDB é dos que têm menos. O PSDB não tem nenhum ministro, o PSDB não tem nenhum diretor de uma autarquia nem de banco [estatal]. O PSDB, pelo que saiba eu, não tem nenhuma participação direta no governo ou nos cargos do governo.
Já outros partidos têm. O PMDB tem [cargos], está dividido [em relação ao apoio a Bolsonaro]. O DEM tem, está dividido. O PSD tem, está dividido. Mas a diferença do PSDB para esses partidos é que apesar de ter um um uma fuga fisiológica pontual, ele, enquanto partido, tem tomado a posição de oposição e não integra o governo.
BBC News Brasil – O senhor defendeu em um evento recente a necessidade de união de diferentes forças políticas em torno de uma única candidatura para disputar a eleição de 2022 contra o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. E disse que esse nome não necessariamente deve ser do PSDB. Qual nome o senhor vê hoje com mais condições de aglutinar esse campo?
Tasso Jereissati – Não é que eu acredito que tenha mais nomes fora do PSDB do que dentro do PSDB. O que eu disse, e é uma aritmética fácil de fazer, é que o candidato do centro que quiser chegar ao segundo turno vai ter que chegar, no mínimo, a 25% dos votos no primeiro turno.
Você tem aí a esquerda mais radical ao redor de 30%. Você tem a direita mais radical, do Bolsonaro, entre 25% e 30%, e a faixa que nos sobra é 40%, 45%, no máximo 50%. Dentro desses 50%, nós precisamos ter metade para almejar chegar ao segundo turno. Se nós tivermos vários partidos, vários candidatos e [o centro] ficar fragmentado, nenhum vai chegar. É óbvio.
Então, o que que eu disse? Nós temos que fazer um grande acordo, uma grande união nacional de partidos democráticos, que respeitam o mercado, que acreditam na liberdade, porque o país está em risco se nós não fizermos isso. Então, o que eu proponho é que todos os partidos e todos os candidatos tenham a mínima disposição de abrir mão dos seus projetos pessoais para que se possa chegar a um único nome ou dois nomes de convergência. É essa a minha visão.
BBC News Brasil – Para o senhor, ainda não está claro quais seriam esses nomes, seja dentro do PSDB ou fora do PSDB?
Tasso Jereissati – Não, eu acho que daqui pro fim do ano tem muita água pra rolar, pra gente perceber realmente quem pode ser essa pessoa.
BBC News Brasil – Após sua fala de que esse candidato não precisa ser necessariamente do PSDB, aumentou a especulação sobre a possibilidade de um apoio seu ao candidato do PDT, Ciro Gomes. É um cenário possível que o PSDB apoie Ciro Gomes?
Tasso Jereissati – Não, essa é uma especulação que se faz, mas essa especulação não tem sentido. O objetivo do que eu disse é só esse que eu lhe falei: é que é lógico, é claro, é óbvio [a necessidade de uma união de diversos candidatos]. Tem pessoas que não querem entender isso e acham que tem outras intenções. Isso não é verdade.
Eu respeito muito Ciro Gomes, pessoalmente, gosto muito dele. Acho até que ele não é uma pessoa de esquerda, eu falo isso com toda sinceridade. Ele é uma pessoa de centro, mas até o momento ele tem se colocado muito no espectro da esquerda e ele mesmo não tem se mostrado interessado em fazer parte dessas conversas [para unificar candidaturas]. Então, se for possível que ele participe, eu acharia ótimo.
BBC News Brasil – Entre as possibilidades que aparecem como alternativa a Lula e Bolsonaro, há vários nomes que apoiaram o atual presidente no segundo turno de 2018, como os governadores João Dória (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), ou que fizeram parte do governo Bolsonaro, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Esse centro que está se articulando tem um pé mais à direita?
Tasso Jereissati – É possível sim dizer isso, um pouco, mas isso não é tão claro e isso pode variar. O sentimento à época das eleições era um grande antipetismo. Esse antipetismo, causado não tão propriamente por causa de ideologia, mas em função de vários escândalos de corrupção que se repetiram e havia um sentimento muito grande de antipetismo.
Tivemos o governo da presidente Dilma, que não foi feliz, agravou mais esse sentimento antipetista e [havia na eleição de 2018] o receio de que se voltasse a esses graves acontecimentos e a essas graves posições ou incorreções que aconteceram.
Hoje esse sentimento é outro. Hoje não existe mais esse antipetismo tão forte, existe sim uma parte mais ideológica à esquerda que não agrega o centro à esquerda às vezes.
E o sentimento anti-Bolsonaro, antinegacionismo, antiautoritarismo é muito maior até do que o antipetismo. Daí essa conjunção hoje (do centro estar mais à direita). Mas, como eu disse, ela pode flutuar, ela pode chegar mais para centro-esquerda, como à centro-direita também.
BBC News Brasil – O senhor costuma se referir a Bolsonaro e Lula como polos de extremos. O senhor considera os dois equivalentes?
Tasso Jereissati – Não, eles não são equivalentes. São duas criaturas completamente diferentes. Acho que o radicalismo da esquerda, às vezes, coincide com o radicalismo da extrema direita. Por exemplo, a proposta de controle social da mídia, que foi uma bandeira do PT quando estava no governo e é uma bandeira do Bolsonaro agora. São propostas do radicalismo.
Esse verdadeiro ataque, não compreensão da divergência, é próprio da extrema esquerda e é próprio da extrema direita. Então, tem uns pontos que eles convergem, mas, como figuras humanas, Lula e Bolsonaro são completamente diferentes.
BBC News Brasil – O senhor considera que os governos do PT se relacionaram com a imprensa da mesma forma como o governo Jair Bolsonaro se relaciona? A forma como responde aos jornalistas, por exemplo.
Tasso Jereissati – Não, era diferente. Não o Lula propriamente, mas vários integrantes do PT propuseram o controle social da mídia, uma legislação que tivesse um controle social, um controle da mídia pelo governo federal, uma espécie de censura, limitar o poder da mídia de noticiar o que quiser em termos de liberdade de expressão.
Isso foi proposto. A diferença é que não me lembro do Lula expressando isso com toda clareza. E o Bolsonaro fala isso com toda clareza e até de uma maneira mais tosca.
BBC News Brasil – O ex-presidente Fernando Henrique já disse que caso a terceira via não deslanche e não consiga ter um candidato no segundo turno, ele vai apoiar o Lula contra o Bolsonaro. O senhor também faria isso?
Tasso Jereissati – Eu ainda não pensei nessa hipótese. O Fernando Henrique, como um sociólogo e um pensador, ele fica elocubrando todas as suas alternativas e um pouco fazendo perspectivas para o futuro. Mas ainda não cheguei a pensar, ainda estou acreditando que essa alternativa desse espaço do meio, nós, os políticos não de extremos, vão ser capazes de chegar lá.
BBC News Brasil – Na sua avaliação, por que mesmo com um trunfo importante como a CoronaVac, o governador João Dória não consegue um desempenho melhor nas pesquisas eleitorais?
Tasso Jereissati – Eu não sei dizer. Você tem razão, hoje o Brasil deve ao governador João Doria, pela sua obsessão, em termos uma vacina e termos tido a oportunidade de começar a vacinar há alguns meses. Se não nós estaríamos começando a vacinar praticamente agora. E isso anos de vidas salvas e as sequelas evitadas é muito grande.
Mas, no entanto, existe um problema de aceitação até agora da candidatura do governador João Dória. Ele não tem conseguido, com toda a exposição que ele e com toda essa questão da vacina, ele não tem conseguido penetrar no eleitorado do país.
Essa é uma dificuldade que se apresenta e por esta razão aparecem outras candidaturas dentro do PSDB.
BBC News Brasil – O PSDB planeja para novembro eleições prévias internas para escolher seu candidato presidencial. O senhor é um dos que planeja disputar, assim como os governadores João Dória, Eduardo Leite e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. O senhor vê algum problema no fato dos quatro nomes do PSDB cotados para disputar 2022 serem homens brancos? Existe uma dificuldade no PSDB de ampliar a diversidade das lideranças?
Tasso Jereissati – Não, existe um problema da sociedade brasileira, não só em relação a nós, eu acho que não só do PSDB, [os possíveis candidatos] do PT também são homens brancos, do PDT são homens brancos.
Acho que todos os [cotados hoje como] candidatos são brancos, homens. Eu me lembro [nas últimas eleições] da candidata Marina [Silva] e da Dilma, mas para 2022 não estou vendo nenhuma candidata mulher, nenhum candidato indígena. Enfim, todas essas aparentes diferenças reais são um problema da sociedade brasileira, que não tem dado o mesmo poder e capacidade de oportunidades de uma maneira igual a todos os brasileiros.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57617483