O governo do presidente Jair Bolsonaro está queimando capital político com questões “inúteis”, bate-bocas entre ministros e contradições internas, como a existente entre a agenda liberal e “globalista” do ministro da Economia, Paulo Guedes, e a antiglobalização defendida pelo chanceler Ernesto Araújo. Além disso, a proposta de desvinculação total dos recursos orçamentários neste momento é um “erro” porque coloca parlamentares das bancadas da saúde e da educação contra a reforma da Previdência.
Na opinião do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), tudo isso pode comprometer a aprovação das mudanças das regras de aposentadoria, consideradas cruciais ao equacionamento da crise fiscal que abala o país desde 2014 e, consequentemente, para a retomada do crescimento da economia brasileira, que, depois de ficar em recessão por três anos (2014-2016), acumulou avanço de apenas 2,2% nos dois anos seguintes.
Apesar de crítico ferino da atual gestão, Tasso mostra forte preocupação com o possível fracasso de sua agenda econômica.
Quer ajudar a aprovar a reforma da Previdência, mas é contrário à adesão formal do PSDB ao governo. A visão marcadamente conservadora dos costumes, ponto central da agenda do PSL e do presidente Jair Bolsonaro, é uma diferença clara, diz o senador, entre o grupo político que está no poder e os tucanos. “Nosso espaço é este, uma visão liberal na economia, bastante liberal nos costumes e que vê o Estado como elemento regulador e atuante na questão dos desequilíbrios sociais”, observou.
Para Tasso, nunca houve momento tão propício à aprovação da reforma da Previdência, mas o tempo corre contra o governo e as maiores dificuldades sequer começaram. “A pressão das corporações [do funcionalismo público] ainda nem começou”, advertiu. O tempo “ótimo” para o governo colocar a reforma em tramitação, que seriam os dois primeiros meses do mandato, já foi perdido. “Na Câmara, tem que passar até julho. Voltando do recesso parlamentar sem ter resolvido na Câmara, fica muito difícil. Passa uma coisinha ou outra, mas bem magrinha.”
Na opinião do senador, o problema está no próprio governo e, essencialmente, nas atitudes do presidente. “Parece que Bolsonaro ainda não assumiu o papel de presidente da República. Ele está fomentando a discórdia. É a antítese do que um presidente quer para o seu governo.
Fonte:
https://www.valor.com.br/politica/6164855/proposta-para-desvincular-gasto-prejudica-reforma
Futuro relator da reforma da Previdência Social quando a proposta chegar ao Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE) diz que o presidente Jair Bolsonaro queima capital político com questões inúteis e compromete cada vez mais a aprovação da mudança nas regras das aposentadorias, que deveria ser foco absoluto do governo. “A primeira dificuldade vem do próprio governo, com bate-cabeças e bobagens ditas e feitas pelo presidente. Parece que Bolsonaro ainda não assumiu o papel de presidente da República do Brasil”, aponta. “Ele está fomentando a discórdia. É a antítese do que um presidente quer para o seu governo. Ele não pode sair por aí dizendo qualquer coisa polêmica, às vezes fora da realidade, que pode até ser a opinião pessoal dele, mas não é a do país”, alerta.
Tasso diz que, historicamente, nunca houve um momento tão propício para a reforma da Previdência, mas o tempo corre contra o governo e as maiores dificuldades sequer começaram. O tempo “ótimo” para o governo botar a reforma em curso, que seriam os dois primeiros meses de governo, já foi perdido, diz. “Na Câmara, tem que passar até julho. Voltando do recesso parlamentar sem ter resolvido na Câmara, vai ficar muito difícil. Passa uma coisinha ou outra, mas bem magrinha”.
A pressão das corporações e das redes sociais ainda nem começou a influenciar e será enorme, diz o tucano. Tasso critica também a estratégia do governo de tentar emplacar a desvinculação do Orçamento ao mesmo tempo que a reforma das aposentadorias, como forma de agradar os governadores e fazê-los trabalhar em favor da proposta para a Previdência.
“Isso é um erro. Parlamentares ligados à área da saúde ou educação, por exemplo, que a princípio poderiam ser pró-reforma da Previdência, vão se indispor por causa da PEC da desvinculação. Você mais perde votos do que ganha”.
Bastante crítico à atuação dos ministros da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, e – principalmente – das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, Tasso diz que há gente demais falando pelo governo, em direções diversas. “São vários grupos que não se dão entre si e têm opiniões que contrastam, em vários assuntos. O [ministro da Economia] Paulo Guedes traz uma agenda liberal, de forte abertura do Brasil ao comércio exterior. Uma política evidentemente globalista. E vem um outro, que é ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], fazendo discurso antiglobalista e influenciado por um filósofo, Olavo de Carvalho, com ideias absolutamente fora do padrão”.
Figura de proa do PSDB nas últimas três décadas, Tasso, de 70 anos, admite a proximidade à agenda econômica do governo, mas rechaça a hipótese de a sigla aderir formalmente à base aliada a Bolsonaro. Pelo contrário: diz que, se quiser ser uma alternativa para o futuro – e para as eleições presidenciais de 2022 – os tucanos devem caminhar mais na trilha da oposição. Da mesma forma, descarta que o PSDB vá se tornar um partido de direita, que dispute espaço com o PSL – como tem aventado aliados do governador de São Paulo, João Doria. “Esse espaço da direita está ocupado pelo PSL e pelo Bolsonaro. Não é nem nunca foi nosso. O nosso, mais do que nunca, é o da social-democracia”, diz. A questão dos costumes, na qual a agenda do PSL e do presidente é notadamente conservadora, é uma diferença clara, aponta. “Nosso espaço é este, uma visão liberal na economia, bastante liberal nos costumes e que vê o Estado como elemento regulador e atuante na questão dos desequilíbrios sociais”.
Se os tucanos migrarem para a direita, garante, será oposição interna. Tasso, que recebeu o Valor em seu gabinete, no 14º andar do Senado, confirma inclusive que, olhando para fora, conversou com defensores da criação de uma nova alternativa de centro, como o ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, e nomes não-tradicionais da política, como o apresentador de TV Luciano Huck e o ex-ministro do Supremo tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa.
Decisivo na conturbada eleição do Senado que desbancou Renan Calheiros (MDB-AL) e elegeu Davi Alcolumbre (DEM-AP), Tasso é um conselheiro insuspeito do novo presidente do Legislativo, mas nega ser a cabeça pensante por trás do amapaense, até então um parlamentar do chamado baixo clero.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: A ideia de que a reforma da Previdência é necessária parece bem estabelecida. O que está atrapalhando?
Tasso Jereissati: Nós nunca tivemos um momento tão bom, tão propício para fazer a reforma. Justiça seja feita ao [ex-presidente] Michel Temer, ele quebrou o tabu e abriu a discussão. Todo governo tinha muita dificuldade de entrar de frente nesse assunto e ele fez isso, a imprensa entrou na discussão da reforma, tornando-a nacional. A primeira dificuldade vem do próprio governo, com bate-cabeças e bobagens ditas e feitas pelo presidente, assuntos secundários e polêmicos levantados desnecessariamente, trazendo para dentro do Congresso discussões e rejeições. Há uma falta de foco do governo.
Valor: Falta articulação?
Tasso: A articulação política do governo está bagunçada. São vários grupos que não se dão entre si e têm opiniões que contrastam, em vários assuntos. A gente não sabe quem é quem, quem fala por quem. A equipe econômica coloca a necessidade de fazer R$ 1,5 trilhão com a reforma da Previdência, diz que isso é inegociável. Aí o presidente vai e fala na imprensa que pode diminuir a idade de aposentadoria das mulheres. Qual é a informação verdadeira? Qual o impacto de fazer uma ou outra coisa? Tem gente demais falando e de forma desencontrada. Essas coisas estão acontecendo no governo todo dia.
Valor: Falta uma voz de comando? Onde isso fica visível?
Tasso: O governo não tem cara. É um monstro, um Frankenstein com um pedaço de cada, um objeto disforme. Veja: o [ministro da Economia] Paulo Guedes traz uma agenda liberal, de forte abertura do Brasil ao comércio exterior. Uma política evidentemente globalista, com todo fundamento globalista. E paralelo a isso, vem um outro, que é ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], fazendo discurso antiglobalista e influenciado por um filósofo, Olavo de Carvalho, com ideias absolutamente fora do padrão, vamos dizer assim. Nem começou a tramitar e outros problemas virão.
Valor: Quais?
Tasso: A primeira delas é o tempo. O tempo ótimo para dar rumo na discussão, que era fevereiro, já passou. “O governo não tem cara. É um monstro, um Frankenstein com um pedaço de cada, um objeto disforme”
Valor: E a pressão das corporações virá?
Tasso: A reação das corporações virá e será forte. Todo mundo quer reforma, desde que não me atinja. Vai ter servidor pressionando parlamentar nos corredores, vuvuzela, tudo. A primeira grande dificuldade é suportar a pressão, que agora será acrescida da rede social, sendo que muitos dos novos parlamentares são muito influenciáveis por ela. Um problema corporativo já começou, que é a questão dos militares. Como a base eleitoral do presidente era muito forte informalmente nas polícias e no exército, ele não mexeu a princípio neles. E isso está influenciando no tempo, porque nada anda enquanto não encaminhar a mudança para os militares também.
Valor: A reforma da Previdência precisa passar até quando?
Tasso: Na Câmara, tem que passar até julho. Voltando do recesso parlamentar sem ter resolvido na Câmara, vai ficar muito difícil. Passa uma coisinha ou outra, mas bem magrinha. Enquanto o presidente estiver com boa popularidade, a força moral dele sobre o parlamento é grande. Mas a gente que está aqui há muito tempo sabe que isso acaba. Se na lua-de-mel as coisas não acontecem, vai se complicar.
Valor: Como solucionar?
Tasso: É urgente que Bolsonaro assuma o controle e diga qual é a cara do governo e o que ele espera de nós do Congresso. Tem que dizer qual é o projeto dele.
Valor: Falta experiência?
Tasso: Parece que Bolsonaro ainda não assumiu o papel de presidente da República do Brasil. Essa é a sensação que passa. Ele não sentou e falou ‘eu sou o presidente de todos e quero harmonia’. Ao contrário: ele está fomentando a discórdia. É a antítese do que um presidente quer para o seu governo. Ele não pode sair por aí dizendo qualquer coisa, polêmica, às vezes fora da realidade, que pode até ser a opinião pessoal dele, mas não é a do país. E agora ele fala pelo país. O país que ele propõe é qual? O do Ernesto Araújo?
Valor: A proposta de desvinculação do Orçamento, a ser encaminhada ao Senado para tramitar ao mesmo tempo, ajuda?
Tasso: Pelo contrário. Atrapalha. Não é o momento.
Valor: Por que?
Tasso: Porque você cria resistências. Muita gente que potencialmente votaria a favor da Previdência passará a ser contra. Você acha que a bancada da Saúde, por exemplo, é a favor de desvincular? A da Educação, na qual a questão da vinculação de um percentual do Orçamento é quase sagrada? Cria um núcleo de insatisfação por uma ação errada do próprio governo.
Valor: A proposta para a Previdência, no mérito, é boa?
Tasso: A proposta geral é boa. Mas precisa de ajustes. No Senado formaremos um grupo que vai acompanhar o andamento do projeto na Câmara. Aqui vamos trazer especialistas para destrinchar o texto e, quando ele chegar ao Senado, estar mais digerido.
Valor: Como vê a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC)?
Tasso: Foi algo muito mal recebido. É o único ponto unanimemente mal recebido. Não sei porque foi colocado dentro da reforma, visto que nem Previdência é, é outra modalidade. Deveria ser tirado.
Valor: Mourão tem feito um contraponto frequente a Bolsonaro. O senhor vê riscos de uma ruptura?
Tasso: Não acredito. Eu tenho contato com os militares e não vejo risco algum, nem da parte dos militares e muito menos do Congresso Nacional. Não existe nenhuma vontade de que o curso normal da democracia seja desviado.
Valor: O senhor já disse que o impeachment de Dilma Rousseff foi um erro. É neste sentido?
Tasso: Sim. O último impeachment foi uma lição, pela desarrumação que ele causou no país. Os partidos todos perderam. Perderam prestígio, força, voz, unidade. As eleições mostraram isso. Surgiram daí uma porção de partidos que são um conjunto de pessoas sem uma cara, sem um projeto. Daqui por diante vamos ter um período de ajustamento para o cenário político brasileiro. “Não acredito que [o PSDB] vá para a direita. Se for, terei uma visão diferente [dentro do partido]”
Valor: Que participação o PSDB tem e terá no governo? Base aliada?
Tasso: O PSDB, por definição, vai apoiar as reformas, mas não é governo. Temos diferenças fundamentais em relação à visão geral deste governo. Não só de costumes, mas bobagens enormes na Educação e coisas que o presidente diz em vários momentos. Em Relações Exteriores, que é um desastre, uma visão completamente diferente daquilo que a gente pensa. Não é nossa visão de mundo nem de vida.
Valor: A mudança da embaixada de Israel é um exemplo?
Tasso: É. Uma bobagem desnecessária. Não é uma discussão que nos interessa economicamente nem é uma questão relevante para a população brasileira. Terá repercussões comerciais importantes. Os Estados Unidos têm motivo para entrar nesse ponto, nós não.
Valor: O PSDB vai se tornar um partido de direita?
Tasso: A meu dizer, ao contrário. Esse espaço da direita está ocupado pelo PSL e pelo Bolsonaro. Além disso, não é nem nunca foi nosso espaço. Fomos criados com uma visão social-democrata com democracia cristã. De lá para cá, fomos solidificando o PSDB como partido de centro. O que tem suas desvantagens, por que somos atacados pela direita e pela esquerda (risos). O Bolsonaro e alguns ministros inclusive consideram de esquerda essa visão social-democrata. Esse é nosso espectro político histórico e agora, mais ainda. Nosso espaço é este, uma visão liberal na economia, bastante liberal nos costumes e que vê o Estado como elemento regulador e atuante na questão dos desequilíbrios sociais.
Valor: Conversou com João Doria sobre isso?
Tasso: Tenho conversado eventualmente. Evidente que ele é um player importante, é o governador do Estado de São Paulo. São Paulo é um país, qualquer um que o governe terá papel relevante. Há nomes ótimos despontando nesse PSDB, como o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, e a prefeita de Caruaru (PE) [Raquel Lyra]. Ela é uma das maiores revelações políticas do país nesta visão moderna, social-democrata, com uma prática política revolucionária em sua cidade.
Valor: O partido sendo levado a essa agenda mais à direita, como fica sua situação?
Tasso: Não acredito que vá para a direita. Se for, terei uma visão diferente [dentro do partido].
Valor: A possibilidade de delação do Paulo Preto assusta o PSDB?
Tasso: Eu protesto quando dizem que ele foi operador do PSDB. Eu nunca vi esse cara na minha vida, perguntei a vários parlamentares, inclusive de São Paulo, que não o conheceram também. Ele nunca foi operador do PSDB. Agora evidente que é preocupante essa ligação que ele pode ter tido com um ou outro dentro do PSDB. Isso precisa ser investigado.
Valor: Não é incoerente o PSDB falar em renovação e manter em seus quadros figuras implicadas na Justiça, como Aécio Neves?
Tasso: Quando fui presidente interino do PSDB, há um ano, propus um mea culpa, de que erramos muito e tínhamos de rever nosso comportamento. Fizemos um novo código de ética e propus um regime de compliance. Ambos não foram implantados e houve uma reação contrária muito forte dentro do partido. É fundamental o partido definir claramente qual será sua convivência com irregularidades que venham a ser cometidas por seus integrantes.
Valor: E faria o quê?
Tasso: Não é pré-julgamento, mas se o integrante virar réu, tem que ser ao menos afastado dos quadros do PSDB.
Valor: Como o centro político vai se reorganizar para 2022?
Tasso: À medida que as diferenças forem se tornando óbvias dentro do Congresso, surgirão agrupamentos naturais. Qualquer coisa que venha apenas de cima para baixo é ruim. O grande cuidado deve ser é se agrupar em torno de ideia, visão de mundo, do ser humano. Por isso, acho que essa visão nasce inclusive mais na oposição do que em quem estiver no governo.
Valor: O PSDB então precisa ser oposição para ‘respirar’ e ser uma alternativa para o futuro?
Tasso: Precisa. Todo governo se infla pelo fisiologismo. Quem fica na oposição fica numa posição mais clara e menos fisiológica.
Valor: O senhor tem dialogado com pessoas que pensam na formação de um novo partido de centro? Fala-se em Paulo Hartung e pessoas de fora da política, como Luciano Huck e Joaquim Barbosa.
Tasso: São ótimos nomes. Pessoas interessantes, alguns de fora da política, mas que têm atuação pública relevante e estão fazendo um esforço de tentar dar uma refrescada no cenário e nos costumes políticos.
Valor: Há essa conversa então? O senhor foi chamado para um outro partido?
Tasso: Tenho conversado ocasionalmente. Não fui chamado, mas participei de conversas sim em torno dessa ideia, de gente que acha que a saída é esse novo partido de centro. Eu acho difícil fazer um partido novo. Mas é uma ideia válida.
Valor: O senhor é a cabeça por trás do Davi Alcolumbre, novo presidente do Senado?
Tasso: Não, de jeito nenhum. As pessoas subestimam o Davi. Ele é uma grata surpresa. Apesar da inexperiência, de ser muito novo, ele é muito inteligente e foi muito hábil, depois de uma eleição tão brigada, ao compor as comissões e a Mesa do Senado, conseguindo pacificar a Casa.