Indicado para fazer parte da CPI da Covid, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) é crítico da condução do Palácio do Planalto na crise do coronavírus e prevê um cenário árduo para o governo na comissão.
“Não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal”, disse o tucano à Folha. Para o senador, o país vive um momento de verdadeiro desastre.
Tasso também acha difícil que eventuais erros e omissões no combate à Covid a serem constatados pela CPI sejam completamente dissociados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ele cita inclusive a teoria do domínio do fato, usada no mensalão e que prevê que autoridades devem responder por eventuais crimes, mesmo que não cometidos de mão própria, se tiveram conhecimento e controle da situação. No entanto reforça que, antes de apontar culpados, a CPI terá que investigar.
Sobre eleições de 2022, o tucano é otimista e acredita até em coalizão com PDT. Para ele, uma terceira via é “mais do que possível; [é] viável”.
Apesar da aproximação entre PSDB e PT, Tasso acha improvável uma aliança, mas vê um canal de diálogo mais amplo. “Hoje o PT percebe que o grande inimigo dele não somos nós”.
A CPI foi instaurada após determinação do Supremo Tribunal Federal. A decisão, na sua avaliação, foi uma intervenção no Poder Legislativo? Eu não acho que há interferência nenhuma do Supremo. O Supremo tomou uma decisão em cima de uma provocação feita por nós, pelo Senado. Foi tudo perfeitamente legal, esperado. Tem jurisprudência.
O Senado demorou a abrir a investigação relacionada à pandemia? O presidente [do Senado, Rodrigo] Pacheco [DEM-MG] é mineiro. E como bom mineiro ele é muito cauteloso nas suas iniciativas e decisões. E ele tinha uma opinião de que era inoportuno, no auge da pandemia, se instalar uma CPI porque poderia tirar o foco das discussões no Congresso e criar uma nova crise. Posição que discordo frontalmente dele.
A CPI foi ampliada e vai investigar a atuação do governo federal e os repasses federais a estados e municípios. Isso vai acabar desviando o foco da comissão? A estratégia do governo de tumultuar as apurações deve dar certo? Vejo essa inclusão como uma maneira de tirar o presidente e o governo federal do foco e colocar todo mundo no mesmo balaio. Não há a menor possibilidade de que uma CPI de 11 membros possa investigar 27 governadores e mais de 5.000 prefeitos.
O espírito dessa CPI desde o início foi de investigar fatos e omissões na condução da pandemia, quais as razões que fizeram que o país chegasse ao ponto em que nós estamos hoje, esse verdadeiro desastre [foram registradas mais de 365 mil mortes]. O mundo nos está tratando como ameaça global. E [a CPI] começaria evidentemente pelo governo federal, que é o coordenador de uma situação nacional como essa. E não especificamente procurar um ato de desvio de recursos pontual aqui e ali.
Na sua avaliação, a responsabilidade pela situação atual da pandemia é dividida entre governo federal, estadual e municipal ou a gestão federal tem uma responsabilidade maior? Olha o que aconteceu nos Estados Unidos simplesmente com a mudança de liderança nacional. Eles eram, até o fim do governo [do ex-presidente Donald] Trump, um grande fiasco em função dos números da pandemia em relação à potência que são.
Em semanas, com outra liderança [a de Joe Biden], com outra postura, isso mudou. O líder é sempre uma referência, é aquele que conduz e dá rumo aos seus governados. Então, não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal. Isso foi constatado por organizações mundiais. É quase unanimidade.
O senhor acha que a CPI pode mudar a atuação de Bolsonaro diante da pandemia? Com certeza, alguma mudança eu vejo. Só com a perspectiva de que haveria uma CPI, o governo Bolsonaro tomou duas atitudes importantes. Uma foi a troca do [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello. A outra foi a substituição de Ernesto Araújo no Ministério de Relações Exteriores.
Acho que ele [Ernesto] foi o pior ministro da história do Brasil. O que não mudou ainda para melhor? O próprio Bolsonaro. O presidente parece que mudou em relação à vacina, mas não mudou em relação ao afastamento social. Na vacinação nós estamos avançando, eu reconheço. Mas para o distanciamento social, nós dependemos de uma campanha ampla, como todos os outros países fizeram.
A CPI pode provocar essa mudança. Se no andamento da CPI, por exemplo, houver provas de que a atuação da Presidência da República obstruiu e boicotou um processo de afastamento social, isso pode realmente forçá-lo ou, pelo menos, pensar duas vezes para se portar de maneira diferente.
Em caso de comprovação de falhas e omissões do Ministério da Saúde ou de outras pastas do governo, é possível separar isso da atuação de Bolsonaro ou não tem como dissociar a responsabilidade do governo e a do presidente? Isso só os juristas podem responder. Mas me lembro que no julgamento do mensalão, houve uma teoria nesse sentido: mesmo que ele não seja o mandante, ele tinha provavelmente —isso vai ter que ser discutido— o domínio do fato.
Mas é difícil para ele alegar desconhecimento de decisões equivocadas ou omissões em áreas do governo no combate à pandemia? Dificílimo. Os fatos estão aí.
Qual deve ser o foco inicial da CPI? O atraso da vacinação, por exemplo? O relator vai apresentar o plano de trabalho. Eu começaria pelo início, que é o tema mais recorrente até agora que é o distanciamento social. O [ex] ministro [da Saúde Luiz Henrique] Mandetta já falava sobre isso e do uso da máscara. E o Bolsonaro quase que de uma maneira ostensiva ia para rua com manifestantes, se misturando à multidão sem máscara e contradizendo o Mandetta. Aquele período foi de intensa confusão na cabeça dos brasileiros. Bolsonaro disse que era uma gripezinha. Então nós já começamos errado.
Aí depois entrou um ministro [Pazuello] que disse: “Um manda e o outro obedece”. Assim, não dá para dizer que ele [Bolsonaro] não sabia [das decisões do Ministério da Saúde], porque o próprio ministro Pazuello disse isso. Depois chegou a questão de desacreditar a vacina. Eu tentaria fazer uma cronologia das omissões e erros até chegar aqui.
Na CPI, o governo terá a minoria das cadeiras. Isso retrata um enfraquecimento político do governo no Senado? Se não fizermos as investigações de maneira muito técnica e imparcial, não estaremos fazendo nosso papel. Eu acho que quem está mais preocupado que a CPI seja política é o próprio presidente Bolsonaro. A maioria dos senadores não está vendo isso com perspectiva eleitoral. Temos que enfrentar e olhar para a história; qual julgamento que a história vai fazer desse episódio que é o maior morticínio da história do Brasil.
A CPI pode servir de base para a abertura de um processo de impeachment? Eu sou contra o impeachment. É um processo demorado e perderíamos o foco completamente do combate à pandemia. Se ficar comprovado, de uma maneira bastante técnica, a influência dessas atitudes do presidente [como gerando aglomerações e desincentivando o uso de máscaras] no aumento do número de mortes, esse seria o único fundamento que poderia levar a um pedido de impeachment. Até a CPI concluir os trabalhos e, se um processo desses for aberto, aí já é quase eleição de 2022. Essa CPI não pode ter caráter eleitoreiro, porque ela perde a credibilidade.
As eleições de 2022 se aproximam. O senhor acha possível uma terceira via? Eu acho perfeitamente possível; mais do que possível, viável. O que devemos fazer é ter o menor número de candidatos possível disputando esse espaço. Isso depende da nossa habilidade política e do nosso desprendimento.
Qual a aliança possível? O PDT entraria? O PDT tem exceções, mas, de maneira geral, é um partido que está mais para o centro. Eu chamaria de centro-esquerda. E com esse espectro todo cabem alianças.
Sobre a aproximação entre PSDB e PT, qual deve ser o resultado? Alianças em eleições estaduais ou até mesmo uma nacional? Ainda no primeiro governo Lula, eu mesmo fui jantar com ele ao menos duas vezes para discutir política econômica. Com a chegada do [ex-ministro da Fazenda Guido] Mantega, começou a haver um distanciamento cada vez maior, e maior, até que chegou o governo Dilma [Rousseff].
Hoje o PT percebe que o grande inimigo dele não somos nós. O grande inimigo dele é a extrema direita. E há uma mudança de percepção. Isso virar uma aliança agora e ainda em 2022? Eu acho quase que impossível. Mas uma abertura maior de diálogo eu acho perfeitamente possível.
Quando acuado, Bolsonaro dá declarações que às vezes são vistas como uma ameaça à democracia. O senhor acredita que, se ele se ver contra as cordas, ele pode tomar uma medida autoritária? Eu sempre tive medo disso. Ele sempre teve essa tendência, revelada durante anos de atuação na Câmara. Hoje eu tenho menos medo dessas frases de efeito dele e acho mais que são bravatas. Estão perdendo credibilidade essas ameaças que ele faz.
Tasso Jereissati, 72
É empresário, formado em administração de empresa, já foi governador do Ceará por três vezes. Foi senador de 2003 a 2010 e retornou ao Senado em 2015. É um dos principais líderes do PSDB.