A ‘lista de Janot’, com 83 pedidos de inquérito e que afeta boa parte da classe política, impacta o andamento da reforma da Previdência Social. Além disso, o governo “tem explicado muito mal” a importância da proposta. É o que avalia o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), eleito novo presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), uma das mais importantes do Congresso Nacional. “O governo transmite mal para a população o que é a reforma, o que representa e o que pode significar para o futuro”, critica.
Em sua primeira entrevista após ser empossado no comando da CAE, Tasso admitiu ao Valor que há também a dificuldade adicional de muitos parlamentares em defender a mudança na Previdência por conta das eleições de 2018, quando vários buscarão a reeleição, inclusive para manter o foro privilegiado, já que são alvos de investigações. “Isso tem muita influência. Muita”, admite.
Tasso, que é aliado do governo, alerta que a rejeição ou descaracterização dos principais pontos da proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo governo terá consequências graves na recuperação da economia brasileira, inclusive com a interrupção da recente trajetória de queda da taxa Selic.
Tasso quer tornar o colegiado “muito mais proativo” na proposição de medidas de impacto econômico. Serão criados, conta, dois grupos de trabalho: Ricardo Ferraço (PSDB-ES) coordenará o grupo responsável pelo estudo de questões tributárias e Armando Monteiro (PTB-PE) o grupo que tratará do spread bancário e medidas microeconômicas.
No primeiro grupo, a ideia é apresentar até o fim do ano uma proposta com medidas de simplificação tributária. No segundo, “tentar ir fundo nas causas de termos um spread tão alto, 400% de juros no cartão de crédito e mesmo os juros bancários normais, que são mais altos do que em qualquer lugar no mundo. Queremos saber se é questão de subsídio cruzado, de inadimplência, ou se é uma questão de concentração bancária”.
O senador esteve com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn na terça-feira, mesmo dia em que assumiu a CAE. Ele se declara favorável à ampliação das atribuições do BC para, além da estabilidade da moeda, cuidar da questão do emprego no país.
Sobre o destino dos aliados PSDB e PMDB nas eleições de 2018, Tasso Jereissati considera boas as chances de os partidos marcharem juntos. Mas, observa, a aliança é mais provável em um cenário em que o candidato tucano seja o senador Aécio Neves do que com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
A seguir, os principais trechos da conversa.
Valor: O senhor recebeu o presidente do BC e integrantes da equipe econômica após ser confirmado na CAE. Estão preocupados?
Tasso Jereissati: Para a área econômica, e eu compartilho dessa visão, a não aprovação da reforma da Previdência, ou corte dos pontos essenciais, seria um freio no processo de retomada do crescimento econômico. Um freio grande. Eu tenho esse temor e o governo também. O mercado começou, a partir de um momento, a precificar e dar como certa a aprovação. De repente, começam a ter notícias contrárias. Não acredito que vá acontecer de não aprovar, mas se acontecesse seria como cair uma bomba nessa retomada.
Valor: Quais as consequências?
Tasso: Seriam muito graves. Consequências no nível de investimento, na retomada do interesse de investidores internacionais, da confiança dos investidores locais.
Valor: Pode afetar a queda dos juros?
Tasso: Pode. Principalmente em conjunto com a alta de juros do mercado americano.
Valor: A lista da Lava-Jato afetará as votações de projetos importantes no Congresso, como a própria Previdência?
Tasso: O primeiro impacto é grande. Vamos ter dois acontecimentos: a divulgação da lista e, depois, a divulgação dos depoimentos. Dois eventos de impacto grande. Acredito que será um perturbador, mas não um impedidor de reformas. Até porque a única coisa que nós congressistas podemos fazer como resposta a esse estrago na imagem dos políticos é trabalhar.
Valor: O governo tem explicado mal a reforma?
Tasso: Acho que tem explicado muito mal. Transmite mal para a população o que é a reforma, o que representa e o que pode significar para o futuro. Os mais jovens, como você [aponta para o repórter mais jovem], deveriam estar interessadíssimos na reforma. Porque você está pagando pelo aposentado de hoje, mas corre o risco de não receber lá na frente. Esse deveria ser um público-alvo. Teriam de ser os mais interessados na sobrevivência do sistema, porque poderá pagar e não receber na frente, quando alguém deveria pagar por você.
Valor: E como resolver?
Tasso: Esse problema todo de Lava-Jato, acredito, tem tirado o foco do governo dessa comunicação sobre a reforma.
Valor: A necessidade de buscar a reeleição, até para manter o foro e se defender da Lava-Jato, afeta a disposição dos parlamentares de aprovar mudanças na Previdência?
Tasso: Isso tem muita influência. Muita. Na medida em que os candidatos têm uma vulnerabilidade a ondas da opinião pública muito maior, o mandato passa a ser fundamental para frente.
Valor: Pelo foro privilegiado?
Tasso: Perdendo o mandato, ele perde o foro. As pessoas pensam ‘se eu mantiver meu mandato, tenho condições de me defender, provar minha inocência’.
Valor: Todo esse quadro de dificuldades, e a eleição em 2018, pode comprometer as reformas?
Tasso: Na qualidade das propostas pode. Infelizmente. A campanha contra é grande e a campanha do governo tem sido fraca. A percepção da opinião pública, para mim, está mais para negativa que positiva. No momento da eleição isso vai valer.
Valor: Que mudanças o PSDB defende na reforma?
Tasso: Algo quase consensual é sobre a idade para aposentadoria do trabalhador rural, que tem de ser menor que 65 anos. Tem todo sentido: imagina o cara lá no Nordeste, acorda 4 da manhã, trabalha a 40 graus, sem almoço, até o pôr do sol. Sábado e domingo trabalha também e não tem férias remuneradas. Não se pode igualar esse sujeito com aquele que trabalha na Mercedes-Benz, em São Bernardo (SP).
Valor: E idade mínima?
Tasso: Lá na Câmara é discutido também. Na bancada do Senado, menos. Os deputados falam muito em mudanças nas regras de transição também.
Valor: O risco que se corre é descaracterizar o projeto, de forma que se torne inócuo. Quais pontos precisam ser mantidos?
Tasso: A idade mínima, com certeza. Vão me matar por dizer isso, mas a igualdade entre homem e mulher também não pode ser modificada.
Valor: Qual será o papel da CAE?
Tasso: Há desafios imensos. Temos a maior recessão da história em meio a uma crise política das maiores que já vivemos. Aos trancos e barrancos, apesar de Lava-Jato e tudo mais, não deixar isso perturbar nossos objetivos. Vamos transformar a CAE em uma comissão muito mais pró-ativa. Estamos fazendo dois grupos temáticos: um é focado na questão tributária, ouvindo os maiores economistas e faremos antes do fim do ano um diagnóstico do sistema tributário brasileiro.
Valor: Apresentarão uma proposta de reforma tributária?
Tasso: No mínimo, uma proposta de simplificação tributária. São dois grandes problemas: uma a própria carga. A outra é a complexidade tributária, que acho ainda pior. Muitos países têm carga alta, mas nenhum com a complexidade tão grande quanto a nossa. Vamos propor projetos de lei ou apresentar sugestões com o governo.
Valor: É possível avançar em alguma questão tributária ainda este ano, como reforma do PIS e Cofins?
Tasso: Temos a ambição de propor uma reforma de longo prazo. É impossível fazer uma reforma tributária no curto prazo. Sabemos que é impossível implantar, por exemplo, alguma mudança na questão federativa no ano que vem. Mas precisamos ter um desenho de onde queremos chegar, qual o modelo, e ir fatiando para fazer aquilo que é possível no curto prazo.
Valor: E o outro grupo se dedicará ao spread bancário?
Tasso: Sim. Conversamos com o presidente do BC e vamos tentar ir a fundo nas causas de termos um spread tão alto, 400% de juros no cartão de crédito e juros bancários que são mais altos que em qualquer lugar no mundo. Vamos fundo para saber se é questão de subsídio cruzado, de inadimplência, ou se é uma questão de concentração bancária.
Valor: E para a microeconomia?
Tasso: A quantidade de medidas que atrapalham e encarecem a vida das empresas. É o caso das obrigações tributárias acessórias, que são pagas de maneira repetida nos Estados, municípios e União. O governo já está trabalhando em algo nesse sentido e precisaremos de mudanças na legislação para dar mais eficiência.
Valor: O senhor discutiu também, no encontro com Ilan, a relação do Tesouro com o BC?
Tasso: Há proposta de autoria do Ricardo Ferraço [PSDB-ES], que propõe a criação de uma reserva de resultados para posterior transferência entre os dois entes. Já houve inclusive uma reunião entre os nossos assessores e os do Banco Central. E chegamos a um acordo em 95% da proposta. O que ele [Ilan] colocou foi a necessidade ou não de, em vez de o projeto ir adiante, ele apresentar uma medida provisória.
Valor: O senhor é favorável à independência do Banco Central?
Tasso: Minha opinião é de mandato fixo [para o presidente do BC]. Agora tem que ser discutidas quais as obrigações e as restrições do Banco Central. Se é só cuidar da moeda ou se tem outros objetivos. Se deve olhar também a questão do emprego, por exemplo.
Valor: Qual a opinião do senhor?
Tasso: Eu gosto da ideia de colocar emprego também [como atribuição do BC]. Mas posso ser convencido do contrário, se alguém argumentar bem.
Valor: É possível avançar neste tema ainda neste ano?
Tasso: Eu não digo neste ano, mas nestes dois anos nós temos [na CAE], sim.
Valor: Acha possível avançar em reformas trabalhista e a tributária, além da Previdência, neste ano?
Tasso: Acho impossível uma reforma tributária já. Nem para 2018. Acho que é preciso fazer um desenho em que se saiba aonde você vai no sistema como um todo, mas ele tem que ser implantado ao longo dos anos. Eu também acho que quatro ou cinco pontos da reforma trabalhista podem ser suficientes para dar uma melhorada no ambiente.
Valor: Por exemplo?
Tasso: Eu acho o negociado [sobre o legislado] uma questão importante. Quando essa legislação foi feita por Getúlio, não se tinha uma relação empregador/empregado muito clara. Com toda essa revolução tecnológica, o emprego mudou muito. Tem situações que você não vai nem ao escritório. E, às vezes, você pode ter trabalhos intermitentes. A flexibilização, nesta questão, eu acho fundamental.
Valor: E a terceirização da atividade fim?
Tasso: Tem duas: uma é terceirização, outra é “pejotização” [transformar o empregado em pessoa jurídica]. Terceirização, sim. Essa “pejotização” tem que ser reavaliada.
Valor: E como diferenciar um funcionário terceirizado de um “pejotizado”?
Tasso: A “pejotização” tem que ser reestudada. Eu não tenho uma solução para isso, não.
Valor: Nas discussões sobre a reforma trabalhista, na Câmara, alguns deputados têm classificado a Justiça do Trabalho como um “devorador de empregos”. Concorda?
Tasso: Hoje, se você olhar as chamadas “contingências” no balanço das empresas grandes e pequenas, você vai ver que a maior das contingências é a trabalhista. É uma tormenta para todas as empresas e os números são astronômicos. É um dos fatores do custo Brasil. Tem que haver no mínimo uma reforma da Justiça do Trabalho.
Valor: Em que sentido?
Tasso: A Justiça do Trabalho tem uma tendência a ser bastante generosa com o trabalhador. A gente entende, porque é considerada a parte mais fraca, mas isso pode se voltar contra o próprio trabalhador, na medida em que ele impede, de uma maneira clara, a criação de novos empregos. Cada vez você tem maior preocupação de admitir novos funcionários, com receio desse lado ruim do balanço das empresas.
Valor: A sua avaliação do quadro econômico mostra claramente uma queda dos juros?
Tasso: Eu acho que a questão da reforma previdenciária é um dos pontos de dúvida. O grande nó que nós estamos vendo ainda é a questão fiscal que não está resolvida. É um grande engano achar que, por causa do teto de gastos e das medidas que já foram tomadas, resolve essa questão. A situação dos Estados talvez seja mais grave do que a questão da União, o que ainda não se manifestou na sua inteireza a gravidade. Por isso que a questão da previdência é mais grave.
Valor: O PSDB é o grande partido aliado deste governo do PMDB. Eles vão estar juntos em 2018?
Tasso: O natural, dada a aliança que vigora hoje, seria que os partidos andassem juntos. Não que isso vá necessariamente acontecer. Há muitas ambições, projetos específicos dentro de cada partido. Tem uma Lava-Jato no meio do caminho, que não se sabe que estragos vai causar. Dentro do próprio PSDB, há candidaturas e visões diferentes dessa aliança [com o PMDB], se deve ser mais forte ou menos forte. E dentro do PMDB também. Dependendo da candidatura que venha a se firmar, essa aliança se fortalece ou se enfraquece.
Valor: No PSDB, refere-se às candidaturas de Aécio ou Alckmin?
Tasso: Tem Aécio, tem Serra, tem Alckmin. O Alckmin, por exemplo, é muito mais próximo de alguns partidos do que o Aécio ou o Serra. Dependendo de como isso se desenvolva, a direção pode ser diferente.
Valor: Com o Aécio candidato, o PMDB está mais próximo. E com Alckmin, ele é menos próximo?
Tasso: Por aí, como diria Miguel Arraes. Eu acho que sim, é isso mesmo.
Valor: O grupo de Alckmin já começou um movimento para realizar prévias do partido em setembro.
Tasso: Eu sou favorável a prévias. Agora, neste ano, essa Lava-Jato aí… Vai aparecer no próximo mês a íntegra dos depoimentos da Odebrecht. Ainda vai vir depoimento recall das outras empreiteiras. Será que vamos ter ambiente para prévias? Essa Lava-Jato é um grande fato de desestabilização de tudo.
Valor: A Lava-Jato pode inviabilizar o candidato escolhido?
Tasso: Exatamente. Não tem clima, porque tem vários candidatos que podem estar citados, sem provas ainda. Mas só o fato de estarem citados já complica essa escolha.
Valor: Nesse cenário, o prefeito de São Paulo, João Dória, é um trunfo do PSDB?
Tasso: Eu vou ser muito sincero. Se as eleições fossem hoje, a probabilidade de um outsider… Eu não estou chamando o Dória de outsider, ele é um quadro do partido. Mas hoje, quanto mais outsider, melhor. Um cara de um partido pequeno, contra os políticos, contra a política, entrando com a capa do Super-Homem, salvador da pátria, que vai combater a tudo e a todos, é o cenário ideal. A nossa imagem, dos políticos, diante da opinião pública é péssima. Tudo indica que vai piorar, na medida em que saiam mais listas e mais depoimentos, etc. Eu acho que o cenário de hoje é propício para um outsider. Já vi de isso acontecer com Jânio Quadros, Fernando Collor…
Valor: Costuma não dar bons resultados na prática.
Tasso: Da descrença dos políticos nasceu o Trump.
Valor: E o Bolsonaro?
Tasso: É, temos um Bolsonaro, que tem um pouco desse discurso, mas não é tão outsider assim, não. Na Holanda, tem um maluco lá que pode ser eleito [referia-se ao xenófobo Geert Wilders, derrotado ontem nas urnas]. O próprio [presidente da Turquia Recep] Erdogan faz parte dessa… Nós temos um bando de maluco aparecendo aí em função dessa descrença da população em relação à classe política. Ainda bem que eu posso falar essas coisas e não sou o ministro de Relações Exteriores [risos]. E aqui mais ainda, porque o país está vivendo uma crise total.
Valor: Uma tempestade perfeita.
Tasso: Tempestade perfeita. Porque você tem crise econômica e crise política. Então, o ambiente favorável para esse tipo de fim está montado. Daqui para 2018, espero que tenha melhorado. E por que essa importância que nós estamos dando para a economia? Porque a única maneira que eu vejo de dar sinalização positiva para o país é através da economia, e não da política.
Fonte: http://www.valor.com.br/politica/4901446/impacto-da-lava-jato-ameaca-reforma