Relator da reforma da Previdência no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE) rejeita a ideia, que começa a circular, que a criação de uma nova proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramitará em paralelo à reforma vinda da Câmara possa mudar o “coração” da proposta. Nessa PEC paralela – a saída encontrada para que não houvesse modificação na reforma que forçasse à volta da proposta para a Câmara, atrasando sua promulgação – serão colocados temas como a inclusão de Estados e municípios na reforma.
Mas, para Tasso, não faz sentido imaginar que a reforma será desfigurada. Ele considerou “miopia” as críticas de que seu relatório tenha desidratado o texto enviado pela Câmara e não descarta novas mudanças no texto depois da análise das mais de 300 emendas apresentadas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ao Estado, o senador disse também ver um “certo oportunismo” dos parlamentares ao atrelar a reformas da Previdência à demanda por mais receitas para Estados e municípios, como tem ocorrido no debate do chamado pacto federativo. Leia a seguir a entrevista.
A desidratação de R$ 31 bilhões da reforma da Previdência, após as mudanças propostas em seu relatório, foi vista como um sinal negativo pelo governo e alguns economistas. Como o sr. vê as críticas?
O que chamam de desidratação é uma visão um pouco míope (no relatório, Tasso retirou o critério de renda para a concessão do Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e suprimiu a elevação de idade e tempo de contribuição para trabalhadores que lidam com atividades prejudiciais à saúde, itens aprovados na Câmara). Analisei todas as emendas vendo dois objetivos. O primeiro era manter e, se possível aumentar, a economia que o governo falava de R$ 1 trilhão. E também a inclusão de Estados e município na reforma. Percebemos que seria possível um ganho fundamental de R$ 350 bilhões com a inclusão deles. A diferença é que, ao invés de ser obrigatória e automática, colocamos uma proposta em que os governadores pudessem aderir mediante aprovação das suas assembleias. E, ao aderir, automaticamente incluíram todos os municípios, podendo o prefeito depois de um ano sair por conta própria.
Qual a diferença em relação à tentativa frustrada de inclusão dos Estados e municípios na Câmara?
Essa ideia é diferente da que estava na Câmara porque obriga os governadores e assembleias a terem uma participação no processo, que é o que cobraram muito lá.
A inclusão de Estados e municípios vai ser incorporada à PEC paralela. O sr. acha que será uma tramitação rápida?
Esse é o propósito do acordo entre os presidentes Rodrigo Maia (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado) de tramitar com rapidez aqui e, indo para a Câmara, ele colocar imediatamente em votação. A expectativa é de que se possa votar tudo até o final do ano.
Essa PEC não pode ser utilizada para a flexibilização de alguns pontos da reforma principal ou retirar as compensações que o sr. colocou?
Pode, claro. Isso faz parte do jogo legislativo. Nós fazemos propostas, discutimos, negociamos e na hora votação não podemos garantir nada. Mas a partir desse salto que estamos apresentando, um plus de R$ 350 bilhões. O que nós sentimos é que dentro do Senado uma maioria não aceita as mudanças no BPC. No Senado, todos achavam que o BPC tinha caído, mas ficou um dispositivo sobre ele (na Câmara, a regra que exige um quarto de salário mínimo per capita foi incluída na Constituição; o relatório de Tasso retirou esse trecho). Isso foi um choque entre os senadores. E virou um consenso o desejo de tirar o BPC. Se não tivéssemos feito isso, seria muito difícil passar o coração da reforma.
A PEC paralela não pode significar uma renegociação da própria reforma?
Não, porque o coração da reforma vai ser promulgado imediatamente. Não há o menor risco de uma renegociação da reforma, porque será aprovado o coração da reforma só com duas diferenças (o BPC e as regras para o recebimento de pensões e aposentadoria de trabalhadores expostos a agentes nocivos, como mineiros). O que vai se discutir é a PEC paralela.
Mas se é uma PEC, o texto paralelo pode também mudar a reforma?
Vai ser uma coisa muita estranha se promulgar uma PEC e uma semana depois ela ser modificada pela Câmara. Pode acontecer. É da democracia, mas não é provável. O próprio presidente da Câmara está comprometido com essa ideia até a alma. Ele é partícipe de tudo isso. Você, por cima do presidente da Câmara, aprovar outra PEC anulando a PEC que acabou de ser aprovada seria uma situação inédita na história do Brasil.
A PEC paralela traz alguns pontos que vão ser modificados, como o que trata de pensão. O sr. não acha que isso pode abrir caminho para flexibilizações além da conta?
Não abre caminho para flexibilizar nada que venha a modificar o conteúdo da PEC principal. Pode ser que haja, isso não podemos garantir, algumas emendas. No próprio Senado. Procuramos fazer bem feito o nosso trabalho. Fora os R$ 350 bilhões dos Estados, nós estamos apresentando fim de subsídios previdenciários injustos que vão gerar uma economia maior do que “desidratação” que o governo está falando (entre eles, a cobrança de imposto previdenciário sobre exportações agrícolas, que constava da proposta enviada pelo governo, mas foi derrubada na Câmara).
Qual a perspectiva para a votação?
Nós vamos ter esta semana a discussão na CCJ. E lá eu já estou com 300 emendas. Como todo o Parlamento no mundo inteiro, vai depender muito da maioria. Eu acho que a maioria hoje é favorável do jeito que está.
O sr. está aberto a novas mudanças no parecer, uma vez que já há 300 emendas?
A princípio, não vejo nenhuma mudança. Mas eu quero dizer com toda a clareza que tentei corrigir muitas injustiças. Eu não afasto a possibilidade de que nessas 300 emendas venha alguma ideia que aprimore ou desfaça alguma coisa que esteja dura demais. É meu papel prestar atenção a essas emendas.
A mudança no BPC é irreversível? O argumento do governo de colocar na Constituição é para evitar o excesso de judicialização…
Estamos tratando aí da faixa mais baixa da população. Não é sindicalizada, não tem organização que o defenda e a eventual judicialização que ele vai ter é suposição. Estamos falando de pessoas que ganham menos de R$ 250 por mês. Você está supondo que esse pobre coitado tenha advogado ou sindicato? A Previdência é proteção social. Não é só uma questão numérica. Se podemos protegê-los, e colocar alguma contribuição do agronegócio, que é gigantesco em exportação, é justo.
A discussão do pacto federativo está atrapalhando o andamento da reforma?
Na verdade, a discussão do pacto foi uma colocação dos governadores, através de alguns senadores, como pressuposto para votarem a Previdência com celeridade. É uma questão estranha à reforma, mas foi colocado politicamente como condição prévia para que alguns senadores ligados aos governadores não viessem a fazer com que a votação fosse atrasada.
O que os senadores entendem como pacto? Há uma crítica de economistas de que o entendimento deles é de que o pacto seria só mais dinheiro, sem contrapartida de ajuste fiscal.
Acho que você tem razão. Esse pacto federativo não é o mesmo proposto pelo ministro Paulo Guedes (da Economia). É o pacto resultado de uma reunião de governadores, a maioria do Nordeste, com o Senado. Ele contempla reivindicações desses governadores, que são mais favoráveis aos governos estaduais do que para a União.
Qual o risco desse movimento?
Algumas coisas foram melhoradas. Foi votado que os recursos da cessão onerosa (megaleilão do pré-sal marcado para novembro) só poderiam ser usados para investimentos e capitalização de fundo da Previdência do Estado. Isso já tranquiliza muito. O grande receio é que fosse para gasto corrente. Seria um desastre.
Por que o Congresso apoia tanto uma pauta como essa, de um pacto que só dá receitas, mas é tão resistente em assumir o ônus político de colocar Estados e municípios na reforma da Previdência?
Por uma razão muito simples. A reforma exige maioria constitucional. No caso do Senado, cada voto de senador pesa, e como boa parte (dos senadores) é muito ligada aos governos dos Estados, se eles não votarem, nunca teremos voto suficiente para passar uma reforma constitucional (que precisa de três quintos dos votos). É um pouco pesado o que eu vou falar, mas evidentemente tem um certo, entre aspas, oportunismo, porque se aproveita de uma circunstância como essa para conseguir alguns pleitos.
Como mudar essa comportamento que o sr. chamou de “certo oportunismo”?
Eu sou parlamentarista. Um regime no qual o presidente da República, diante de alguns impasses, pudesse convocar novas eleições e todos tivessem mais responsabilidade, eu vejo como um regime ideal para o Brasil no futuro.
Não teria sido melhor usar os recursos da partilha do pré-sal para viabilizar a reforma tributária?
Essa é uma discussão diferente. Acho que ali há um certo exagero, mas um dos itens do pacto federativo é o que chamam de lei Mansueto (programa de socorro do governo federal voltado a Estados que não estão tão mal a ponto de entrar em recuperação fiscal, mas também não conseguem ainda reunir condições fiscais para se credenciar a novos empréstimos). Nela já se exige, para que os Estados tenham acesso ao financiamento e uma série de recursos da União, uma porção de ajustes. Se a Lei Mansueto for aprovada do jeito que, está dará mais segurança.
O sr. vê uma vitimização dos Estados na questão fiscal, como apontou o consultor Marcos Mendes?
Ele é um profundo conhecedor da situação dos Estados. Ele já demonstrou que, ao contrário das ideias que andam por aí no Brasil, não há um centralismo tão grande quanto se fala. Eu acho que existe um pouco disso sim, mas eu teria mais ressalvas. Em questão de poder dos Estados e municípios, eles também são muito limitados a uma legislação federal. Precisaria não só discutir as receitas, mas os deveres. O que cabe a eles e à União. Agora, todos são inchados. Esse é que é o problema. É preciso haver uma reforma de mentalidade e política para que cada um assuma as suas responsabilidades.
Do seu ponto de vista, a reforma política é importante para a economia e o ajuste das finanças públicas?
Claro! É fundamental para uma estabilidade dentro das finanças. O Congresso várias vezes tende a ser um pouco irresponsável em relação às finanças, porque não tem nem ideia e nem consequência sobre o que representam determinadas despesas, custos, agora e no futuro. Se ele for responsabilizado por isso, por um impacto, isso dará mais profundidade nas votações do Congresso.
Fala-se que o Senado está buscando protagonismo, mas não está conseguindo, e um dos pontos que expôs isso foi a reforma tributária. Como vai ser a convergência da reforma tributária e da pauta econômica como um todo entre Senado e Câmara?
Acho que essa questão de protagonismo é uma grande bobagem, absolutamente irrelevante. Cada um tem seu papel, o Senado tem seu papel. Às vezes o que os senadores reclamam é que, por exemplo, certas medidas provisórias chegam ao Senado sem que haja tempo para que possamos analisar ou revisar, porque já chega em cima da hora. Mas isso são ajustes que, através dos dois presidentes, a gente vai colocando. Mas não existe esse ciúme. Isso é bobagem. Tem sim a coisa de protagonismo de um, protagonismo (de outro), mas acho isso uma grande bobagem.