Para senador, desarticulação entre presidente e governadores pode agravar crise. Ele defende isolamento para salvar vidas
BRASÍLIA – Aos 71 anos, Tasso Jereissati (PSDB-CE) está no terceiro mandato como senador, já foi governador do Ceará três vezes e considera a crise do coronavírus a pior que já viveu. Em conversa com O GLOBO, o parlamentar critica o que considera “falta de comando” do governo federal e teme que a crise entre o Planalto e os governadores piore o cenário.
O senhor, além de parlamentar, é empresário. Como avalia a discussão sobre lidar com a pandemia e, ao mesmo tempo, não paralisar a economia?
Eu só tenho uma certeza sobre isso: o confinamento horizontal é o que tem de ser feito. O resto é incerteza. É evidente que não se pode esquecer da economia, mas a prioridade neste momento é salvar vidas humanas e conseguir controlar o ritmo de crescimento dos casos no país. Caso não se controle, nós vamos também entrar em derrocada econômica.
Como avalia a resposta do governo à crise até agora?
Acho que está faltando um comando. Falta uma centralização de toda a estratégia do combate ao coronavírus. Desde a economia até a saúde. Eu me lembro da crise do apagão (em 2001), quando o (então ministro) Pedro Parente passou a controlar todas as ações do governo, independentemente de em que área fosse. Isso foi feito de maneira que elas tivessem coerência e compatibilidade de ações. O que está acontecendo é o contrário. O próprio presidente da República completamente errático, dando declarações e posições que contrariam seu próprio governo, e na área da saúde.
E na área econômica, como vê a reação?
Eu francamente não estou entendendo o que está acontecendo com o ministro Paulo Guedes, porque eu tenho olhado televisão, lido os jornais, as redes sociais, e o ministro da Economia desapareceu. Dá essa impressão. Não tenho visto ele assumindo a liderança da área econômica disso. Ao contrário, algumas iniciativas positivas têm sido tomadas, de maneira que me parece até isolada, pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Como vê a criação do voucher de R$ 600 para
informais, aprovada pela Câmara?
A meu ver, (foi) graças à tomada de atitude do Congresso. Medidas que resolvam a vida dos informais são fundamentais. Elas apareceram agora, atrasadas, mas nada ficou concreto ainda. O projeto vai para o Senado, vamos votar na segunda-feira, nós com certeza vamos aprova isso. Mas a operacionalização disso já tem que estar definida e preparada.
O enfrentamento da crise exige um aumento de
gastos públicos. O Congresso já reconheceu o estado de calamidade. O que mais é
possível fazer?
Aquela famosa e discutida emenda de relator (sobre uma fatia do Orçamento que gerou disputa entre governo e Congresso), tem que dirigir tudo aquilo para a Saúde. O Congresso poderia tomar essa iniciativa. Estamos falando de R$ 20 bilhões das emendas de relator, que não tem mais sentido nenhum. Antes de tudo é preciso que haja uma harmonia. Estamos vivendo uma desarmonia de pensamentos e ações.
O senhor já foi governador. Como vê o conflito
público entre governadores e Bolsonaro? Dificulta o enfrentamento da crise?
Já está dificultando.
Com certeza, essa é a crise mais grave que vivi na minha vida. Eu sempre,
dentro do Congresso, trabalhei para que houvesse um esforço conjunto de todos
os setores, de todas as instituições, em que as brigas e diferenças fossem
deixadas para outro momento. Isso não está acontecendo. Eu tenho muito medo de
que isso não seja possível enquanto o presidente tiver esse tipo de
comportamento. Se ele continuar assim, estará dando uma demonstração de que não
tem entendimento da responsabilidade e da altura do seu cargo.
A atitude dos governadores de tomar medidas de contenção é correta?
A maior parte dessas
coisas não dá para esperar. Estou aplaudindo a iniciativa da maioria dos
governadores que, percebendo isso, assumiram em seus estados o comando e a
centralização do combate à pandemia. Infelizmente, é o que está acontecendo.
Mas é bom que esteja acontecendo. Já imaginou como estaria o Brasil hoje se os
governadores também estivessem com esse comportamento errático, ou se fossem
omissos? Seria um desastre muito maior.
Falando em gastos públicos, como evitar o erro de 2008/2009, quando medidas anticíclicas persistiram e levaram ao desequilíbrio fiscal?
É não confundir medidas anticíclicas com irresponsabilidade fiscal. O ciclo negativo da crise econômica já havia passado, e nós continuamos a aumentar os gastos públicos de maneira quase exponencial e irresponsavelmente. A melhor maneira de controlar isso é a transparência nesses gastos.
Como o senhor acredita que estará a economia
brasileira depois que isso passar? É possível fazer algo para garantir a
retomada da atividade mais à frente?
Fazer não, mas planejar sim. É preciso sair dessa inércia em que nós estamos, pensando e projetando o passo seguinte. Que, com certeza, vai ser novamente uma injeção de liquidez na economia muito grande. Lembro o exemplo do próprio (Donald) Trump nos EUA, em que o Bolsonaro se inspira tanto. Ele fez um pacotão logo, aprovou no Congresso e não ficou fazendo a coisa em conta-gotas, como se não estivesse sabendo o que fazer daqui a algumas semanas.
Podemos viver uma depressão? Ou teremos a
chamada recuperação em “V”, quando a atividade volta a crescer rapidamente?
Eu espero essa tal
recuperação em “V”. Até pelo aspecto psicológico. As pessoas estarão saindo de
uma quarentena cheias de energia, querendo que a coisa aconteça.
O governo tem falado que o caminho é voltar com a agenda de reformas que foi interrompida pela crise. O senhor acha que há força para essa agenda ser retomada, já que 2021 é ano pré-eleitoral?
Acho que sim, mas não exatamente as mesmas reformas. O grande mote, passada a crise da pandemia, vai ser a recuperação da economia do fundo do poço. A economia vai entrar em recessão, e o foco vai ser em medidas diferentes das que estávamos nos preparando para discutir pré-pandemia. Todos nós, Congresso, imprensa, governo, governos estaduais, estávamos na linha de apertar o cinto.
A lista inclui ao menos três propostas de
emenda à Constituição, como a PEC Emergencial, que autoriza cortes no
funcionalismo, a que extingue fundos públicos, a reforma administrativa, a
tributária… Qual tem mais chance?
A PEC Emergencial vai ter que vir, talvez em outros termos, mas vai ser uma das mais importantes e urgentes para serem votadas. Acredito que os termos não vão ser os mesmos de hoje. Vamos ter uma realidade, daqui a — se Deus quiser — dois, três meses, muito diferente. A reforma tributária, acredito que vai continuar a discussão, mas em um ritmo mais lento e sem tanta pressa. A PEC dos fundos e a PEC administrativa, agora, acho que não vão ser prioritárias.
E sobre as outras agendas do ministro Guedes,
como o marco do saneamento, do qual o senhor é relator?
O marco regulatório do saneamento, acho que deveríamos votar até agora. Além do aspecto social e sanitário, que tem a ver com o coronavírus, pode trazer investimentos vultosos para a economia.