BRASÍLIA – Provável relator da reforma da Previdência no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE) vê clima favorável para a inclusão de estados e municípios na tramitação final do projeto. Em entrevista ao GLOBO após a aprovação do texto em primeiro turno na Câmara, o senador prevê que a reforma será aprovada com mais rapidez no Senado, até setembro. Para o tucano, o Congresso assumiu a liderança da agenda econômica, numa espécie de “semiparlamentarismo” em meio às dificuldades de articulação e de execução que diagnostica no governo Bolsonaro. Tasso também critica o ministro da Economia, Paulo Guedes. Diz que ele “não tem experiência na coisa pública” e que é “um homem inteligente, sabe o que quer, mas não sabe executar”. A seguir os principais trechos da entrevista:
Os destaques aprovados na Câmara desidratam a reforma?
Não muda muito na economia total. É uma reforma muito difícil, mas a perspectiva ainda é muito positiva. É claro que as mudanças que ocorreram podem abrir caminho para a manutenção de privilégios, sobretudo em relação aos policiais militares nos estados, quando o texto vier para o Senado. Já prevemos muita pressão da categoria.
Há clima no Senado para inserir estados e municípios na reforma da Previdência depois de terem sido retirados na Câmara? O senhor chegou a falar em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) paralela.
A chance aqui é grande. Não posso garantir que vai ser aprovada porque vamos discutir e temos opiniões diversas, mas a possibilidade, pelo que senti conversando com senadores, é muito grande. Quando a gente fala em PEC paralela significa que vamos votar o que passou na Câmara, que é o coração do projeto, e que acho que vamos aprovar com uma rapidez muito grande, até setembro. Ao mesmo tempo, recolocaremos na pauta estados e municípios, sem os quais achamos que a reforma ficaria incompleta. Se aprovarmos no Senado essa parte, o clima vai ser diferente quando voltar à Câmara, porque o coração do texto estará aprovado. A chance de os deputados se mostrarem favoráveis cresce muito.
A votação em segundo turno na Câmara em agosto pode atrasar o trabalho no Senado?
De certa forma, sim. Eu imaginava que já na primeira semana de agosto estaríamos trabalhando o texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mas o que ficou acordado é que a votação ocorrerá na primeira semana de agosto. Então, se tudo correr bem, teremos apenas uma semana de atraso. Pra nós, o prazo de setembro continua valendo.
Apesar do protagonismo do Legislativo, se a economia der sinais de retomada em razão do avanço de reformas como a da Previdência, a população atribuirá isso ao presidente?
É provável que isso aconteça. Mas temos de olhar o seguinte: tivemos um início de governo em que a relação do Executivo com o Congresso foi horrorosa, para não dizer inexistente. E começou a nascer uma preocupação em relação ao futuro do país, considerando que algumas declarações foram preocupantes quanto à estabilidade política e outras demonstraram falta de apreço pelo Congresso. Acho que, numa reação espontânea e não articulada (do Legislativo), houve a necessidade de dar um rumo ao país. Ao mesmo tempo, houve a consciência de que não caberia nenhuma interrupção do governo Bolsonaro, que foi eleito, e que, apesar de todo aquele ambiente e aquelas suspeitas, ele tinha de ir até o fim e nós teríamos a responsabilidade de dar estabilidade ao país.
Quais seriam essas suspeitas?
Suspeitas em relação ao fundamento democrático do governo Bolsonaro, que sempre passou a percepção de que queria jogar a população contra o Congresso. Esse tipo de relacionamento era inédito. Todos os presidentes pós-redemocratização tinham um empenho grande em ter bom relacionamento com o Congresso. Hoje, é o contrário. Então, a grande motivação que tivemos foi dar rumo ao país e passar à população o sentimento de que as coisas estavam andando, que o Congresso faria o trabalho. Se fosse depender da ação do Executivo, não aconteceria. A população começa a perceber que as coisas estão acontecendo no Brasil graças ao Congresso
Estabeleceu-se um modelo em que o presidente se dedica à pauta de costumes e o Congresso à econômica?
Diria que estabelecemos uma espécie de semiparlamentarismo, porque o Congresso está liderando as pautas. Agora, seria injusto dizer que a equipe econômica não tem rumo. Ela é ótima em planejar e diagnosticar, mas muito ruim em executar. Se deixarmos a liderança, as coisas não acontecem. Acho que esse protagonismo tem feito muito bem ao Congresso, tem ajudado a recuperar a autoestima que estava adormecida e traz a sensação de que estamos fazendo as coisas acontecerem.
A integração da equipe econômica com o Legislativo pela reforma foi satisfatória?
O ministro Paulo Guedes é um homem inteligente, bem formado, sabe o que quer, mas não sabe executar. Nem tem experiência na coisa pública. Apesar de seu relacionamento pessoal com alguns senadores e deputados, em alguns momentos a relação com o Congresso é desastrosa. Como, por exemplo, as declarações (criticando alterações no projeto original) que deu quando o texto passou na Comissão Especial da Câmara, em vez de entender que foi um milagre passar uma reforma que se tenta há 30 anos. Ele não tem essa vivência de como funciona a democracia. Vai ter derrotas na Justiça, já teve muitas aqui (no Congresso) e vai ter mais. Nem tudo vai sair exatamente como ele quer.
Foi um processo educativo para aqueles que não estavam acostumados com a política?
Espero que esteja sendo. Mas não tenho nenhuma segurança sobre isso. E tenho até medo que a vitória que deve ocorrer na reforma da previdência dê uma falsa sensação de que tudo está direitinho.
A entrada dos Estados na reforma não contraria a tônica do governo de descentralização de poder, o “mais Brasil, menos Brasília”, segundo o ministro Paulo Guedes?
A maioria das ideias do ministro Paulo Guedes são excelentes. Daí a aplicá-las existe uma diferença muito grande. Mais Brasil, menos Brasília, até agora, é só discurso. Concretamente não vi nada. Nem conheço ninguém que tenha visto. Pelo contrário: o governo tenta derrotar todas as medidas dessa ordem que foram aprovadas no Congresso. Mas, considerando que estados e municípios resolvam seus problemas, cada um decida fazer sua própria reforma, como é que uma secretaria-geral da Previdência poderia fiscalizar centenas, milhares de sistemas previdenciários? E mais, como prefeitos mandariam a suas câmaras de vereadores, em ano eleitoral, uma reforma previdenciária local? A mesma coisa com os estados. O que acontece é que eles voltam a quebrar e vêm pedir ajuda a Brasília.
O mercado espera que a reforma mude a curva de expectativas na economia. O senhor concorda?
Sim, num primeiro momento. No curto prazo, muito pouco na vida real vai mudar. Para quem está desempregado, as coisas continuarão ruins por um tempo. Mas alguns sintomas de reversão de expectativas vão aparecer, como os juros, que devem rapidamente começar a cair. O meu receio é que esse período de reversão dure pouco em função de novos problemas que possam aparecer nesse desarranjo governamental. Problemas de ordem política, decisões voluntárias personalistas, brigas internas, contradições. Resultados econômicos mais concretos só vão aparecer depois de outras medidas implementadas mais no médio prazo que no curto. Temos o custo Brasil, e um problema enorme, que é melhorar a produtividade. Sem isso, não se pode crescer. Compõe esse custo Brasil um sistema tributário altamente complicado. Vivemos diante de uma enorme insegurança jurídica. Ontem mesmo nós discutimos no Senado portarias do governo que mudaram subitamente as regras do jogo, sem diálogo, sem um maior consenso entre as partes envolvidas.
O que cabe ao Congresso fazer para acelerar a melhora do ambiente de negócios?
O Davi (Alcolumbre, presidente do Senado) e o Rodrigo (Maia, presidente da Câmara) devem anunciar, no início de agosto, uma agenda positiva com uma série de medidas, que chamamos de “reforma microeconômica”, e que deverá facilitar a vida das empresas e de quem quer gerar emprego e empreender. Quando eu presidia a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, fizemos uma série de audiências públicas levantando penduricalhos e complicadores que são inteiramente desnecessários. Agora, estamos retomando essas medidas.
Qual é a vida útil da reforma da Previdência?
Não tenho a menor dúvida de que, em dez anos, vamos precisar de uma nova. Ninguém sabe como estará o mercado de trabalho diante dessa perspectiva de emprego de robôs em todas as áreas. O trabalho no escritório, com carteira assinada, vem perdendo espaço. Provavelmente haverá ainda menos gente contribuindo. No caso da tributária, é igual. Daqui a pouco vamos ter uma enorme dificuldade em distinguir produtos e serviços, o que é origem, como é a circulação. Isso muda toda a lógica. Reformas farão parte da nossa vida.
O senhor sempre defendeu que o PSDB se ancorasse em seus pilares históricos, como a economia, para reviver como partido, após os escândalos de corrupção. Isso está acontecendo?
O PSDB foi e continua sendo um partido de quadros. No entanto, está machucado por todos os acontecimentos dos últimos anos e não tomou as atitudes que deveria tomar no momento certo. Mas, por causa desse histórico de quadros técnicos é que continuamos oferecendo o que temos de melhor, coisa que a maioria dos partidos não têm. Quem fez a reforma, quem a lidera, de fato, é o Rogério Marinho, que foi deputado pelo PSDB. Samuel Moreira liderou na Câmara. Eu provavelmente vou liderar no Senado. Não que eu seja um quadro, não quero ser presunçoso. Mas se temos participação nessas mudanças é porque isso é da nossa essência. É uma atitude mais compatível com a nossa história, ao contrário do que fizemos no passado, contrariando nossos princípios e votando contra o governo Dilma só para votar contra o governo. Hoje, me parece que temos uma atitude correta. E sem ter cargos em troca.
Fonte: Jornal “O GLOBO”, 14 de julho de 2019.