Para o senador cearense Tasso Jereissati, do PSDB, a crise que engolfa Jair Bolsonaro mudou de patamar. Pulou de grave para gravíssima e pode alterar o animus no meio político e na sociedade a respeito do impeachment.
Na avaliação do integrante da CPI, a revelação de que o presidente foi alertado sobre irregularidades na compra da Covaxin antes mesmo de o contrato de 1,6 bilhão de reais ser assinado pelo Ministério da Saúde com o laboratório indiano produtor da vacina tem poder para derrubar o derradeiro pilar de sustentação do governo – a tese de que Bolsonaro jamais esteve envolvido em corrupção.
“A última defesa do presidente diante da sociedade era a questão da corrupção. A casa desmorona. O clima na sociedade vai mudar
inteiramente”, afirma o tucano, que até então acreditava não haver condições políticas para o impedimento de Bolsonaro. Se os indícios “que já são fortes” se confirmarem, a saída, entende o parlamentar, é “o vice-presidente (Hamilton Mourão) assumir”.
Nesta entrevista a Crusoé, o senador, de 72 anos, fala ainda da possibilidade de Bolsonaro recorrer à força para não deixar o poder e das articulações em busca de um candidato da chamada terceira via para disputar a Presidência em 2022. Apontado como uma das opções no PSDB, ele diz que é preciso haver, nos partidos que tentam costurar uma candidatura alternativa, a consciência de que o momento do país exige unidade para enfrentar a polarização. “Se nós decepcionarmos por falta de desprendimento, por projetos exclusivos e não tivermos capacidade de fazer a convergência, nem que seja de transição de quatro anos para depois ficar mais claro, essa geração de políticos toda, e eu me incluo nela, merece sair do jogo.”
Como o sr. avalia o caso da compra das vacinas indianas pelo governo, em que há suspeita de corrupção e a confirmação de que o presidente foi alertado?
A situação que já estava muito grave passou para gravíssima. Se fosse apenas uma negligência ou pensamento diferente, no caso da imunidade de rebanho, entre outros, já seria muito grave pelas consequências que geraram, como a morte de mais de 500 mil pessoas no país. Se essas condições todas ficarem provadas e chegarmos à conclusão que houve interesse escuso por trás da compra das vacinas indianas, e os indícios já são fortes, pode chegar a um desfecho traumático.
Pessoalmente, o presidente se complica?
Claro. Porque a gente sabe hoje por informações, documentos e vídeos que o presidente tinha alguma interferência nos erros e omissões durante a condução da pandemia. Agora, o que vemos com certeza é um procedimento ilegal. E com o conhecimento do presidente, o que torna o episódio mais grave ainda. Todo governante costuma dizer “eu não sabia”, “aconteceu à minha revelia”, mas esse caso andou com tanta rapidez que a desconfiança de corrupção chegou direto à pessoa do presidente da República. Sem dúvida, se isso tudo ficar comprovado, é o caso de medidas extremas.
“Medida extrema” seria a abertura de um processo de impeachment do presidente?
Se ficar provado, pode chegar a isso.
Há ambiente político para o impedimento de Bolsonaro?
Eu sempre disse em conversas com outros políticos e mesmo em entrevistas que eu não achava que haveria condições para o impeachment agora. Mas a última defesa do presidente diante da sociedade era a questão da corrupção. Dizia: “Ah, foi feito isso, foi feito aquilo, mas não tem corrupção”. Essa era a alegação. Até mesmo na CPI, quando a gente chega a determinadas conclusões, seus defensores vão lá e dizem: “Mas não rouba”. Esse fato novo derruba o último pilar. A casa desmorona. O clima na sociedade vai mudar inteiramente. Até a questão moral dos defensores do presidente vai ficar enormemente enfraquecida.
A tese de “deixar o presidente sangrar” até o fim do governo para chegar cambaleante nas eleições ainda é defendida por setores da
oposição, inclusive pelo PT. Ela perde força agora?
Não vejo isso como uma questão eleitoral. É uma questão fundamental para o país. Para o futuro próximo e de longo prazo. Estamos falando de mortes, 500 mil mortes. Existe um sentimento anticorrupção tão grande na sociedade, devido à longa tradição de corrupção de governos anteriores, que essa questão passou a ser muito forte na população. A decepção desses segmentos, até entre os que votaram em Bolsonaro, e não estou falando dos fanáticos, vai ser tão grande que esse pilar desaba e não há como levantá-lo novamente. Vai ser uma decepção com o candidato em quem esse eleitor acreditou.
Se o governo se inviabilizar, a solução é com o vice Hamilton Mourão?
Até hoje no meio político, e falo da Câmara, Senado, governadores, partidos políticos, ninguém havia levado a sério a possibilidade do impeachment. Nunca se discutiu isso a sério porque Bolsonaro ainda é sustentado na opinião pública, em parte por esse discurso de que ele não rouba. Aparentemente é sustentado pelas Forças Armadas, e ele faz questão de exibir esse apoio, falando em “meu Exército”, e nas polícias militares, um setor da sociedade onde ele tem mais penetração, e por ter uma militância própria violenta. Essas condições não levariam a um ambiente positivo para o impeachment. Agora, do ponto de vista da opinião pública, tem essa questão
moral. O que se imaginava até então era que ele é desajeitado, grosseiro, mas não cometia malfeitos. Com isso mudando, temos outro cenário. E a solução, nesse caso, tem que ser pela Constituição. Não há outra. A saída, se os indícios se confirmarem, é o vice-presidente assumir.
Se o governo sobreviver até 2022, o que deve ser feito para quebrar a polarização e para que não se repita o que ocorreu em 2018?
Vai depender de nós, políticos que temos alguma liderança nos nossos partidos. Tem que haver um pouco de desprendimento e de consciência da gravidade do país. Mesmo com um lampejo de crescimento no país, o longo prazo não é bom. Temos 14 milhões de desempregados e um déficit fiscal altíssimo. Isso sem falar na questão da pandemia. Se nós decepcionarmos por falta de desprendimento, por projetos exclusivos e não tivermos capacidade de fazer a convergência, nem que seja de transição de quatro anos para depois ficar mais claro, essa geração de políticos toda, e eu me incluo nela, merece sair do jogo. Não estaríamos à altura para enfrentar esse desafio.
O sr. tem defendido que o PSDB não precisa necessariamente encabeçar a chapa de uma candidatura da terceira via. Mas o partido tem um candidato que, aparentemente, não abre mão de concorrer ao Planalto, que é o governador João Doria. Como resolver essa questão?
Eu, por exemplo, que sou um dos nomes citados para concorrer à Presidência, tenho conversado com Eduardo Leite e o Arthur Virgílio, que também são pré-candidatos. E nós acertamos que, se notarmos que existe uma disposição mais ampla de convergência ao redor de um nome que consiga agregar mais do que nós, tranquilamente, sem nenhum ruído, vamos com empolgação para essa alternativa. Acho que o Doria vai ter que cair nessa realidade. A realidade não é aquela que a gente quer. A realidade é a que está acontecendo. Não vai ser essa obstinação dele que vai levar ao ponto de não perceber isso.
O sr. vai disputar as prévias do PSDB?
Estamos avaliando ainda. Nesse contexto, estou tentando fazer papel de aglutinação. Tenho conversado com outros partidos, com outros presidenciáveis. Não vejo objeção ao andamento dessas conversas. Se meu nome unir, eu vou. Se não, me junto a outro nome.
O sr. acha que um nome da terceira via deve ser apresentado quando? Ou até quando?
Não tenho a mesma ansiedade que muitas pessoas têm, e a imprensa tem um pouco também. O fato é que nós não temos um nome ainda. Mas podemos costurar nos próximos seis meses. Tem muita água para rolar. Por exemplo, o que discutimos anteriormente sobre a compra das vacinas indianas é uma novidade muito forte e que muda o quadro. Então, vamos ver o que ainda pode acontecer. De toda forma, penso que iniciarmos o ano que vem com um nome colocado é importante.
O sr. já presenciou um cenário político tão delicado como esse no Brasil?
Não. Nada nem parecido. Aliás, nunca esperei que um homem com a mentalidade e o primarismo do Bolsonaro chegaria à Presidência da República. E com essas atitudes. O que ele faz, o que diz, como ele age, como se relaciona com amigos, adversários políticos, imprensa, é tudo com muita brutalidade. Posso dizer que é o pior presidente da história do Brasil. O governo não é orgânico. São ilhas ao redor de um chefão do qual todos têm medo, e que não tem um projeto de país, mas um projeto de poder. Para piorar, temos um ambiente de ódio, muito por causa das redes sociais. Não se discute nada profundamente. Nem sobre economia, sobre educação e
outros temas importantes. Chegamos ao ponto de debater o que é e o que não é ciência. E tudo sem argumento e com muito ódio. Perdi amigos de longa data depois que passei a criticar mais fortemente o governo. Esse clima, eu nunca vi. E é desse clima que devemos sair.
Bolsonaro está emitindo todos os sinais de que pode resistir se tiver que deixar o poder. Acredita que os militares dariam guarida a essa aventura?
Concordo com você. A grande dúvida é como se comportarão as Forças Armadas. Estamos nesse caminho e acho que podemos ter mesmo problemas enormes pela frente. Só entendo que ele não vai ser bem sucedido. Em 1964, havia o apoio da grande imprensa, dos americanos, da Igreja, de parte da sociedade e o Congresso era, em boa parte, composto por udenistas que tinham histórico de golpismo. Agora, a grande diferença é que Bolsonaro não tem apoio da imprensa, não vai ter apoio político e ficará isolado do resto do mundo. Ele não tem a conjunção das forças a favor. E tenho dúvidas se metade das Forças Armadas vai pactuar com isso. Isso pode
até acontecer, mas será temporário. Não deve durar muito.
Fonte: https://crusoe.com.br/edicoes/165/caso-de-impeachment/