Após pouco mais de um ano da entrada em vigor do novo marco regulatório do saneamento básico, medida que estimula a participação da iniciativa privada no setor, o governo aponta um salto no volume de projetos para investimentos e mecanismos de financiamento para a área.
Levantamento da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia antecipado à Folha mostra que o valor total dos projetos de saneamento em fase de contratação na carteira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) foi multiplicado por dez após a sanção da medida.
Os valores, que ficavam em torno de R$ 3 bilhões ao ano até 2019 (antes da aprovação das novas regras), alcançaram R$ 35,3 bilhões nos 12 meses encerrados em setembro deste ano.
O BNDES auxilia governos municipais e estaduais a preparar a modelagem de projetos em saneamento.
Entre os exemplos de empreendimentos destravados após o marco estão concessões em Alagoas, com investimentos de R$ 2,6 bilhões, no Amapá, de R$ 3 bilhões, e no Rio de Janeiro, de R$ 29,7 bilhões.
Em outra frente de análise, a pasta afirma que, após a entrada em vigor do marco, a emissão de debêntures para investimentos em saneamento também teve forte alta.
As debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas como forma de financiar seus projetos. Os detentores desses papéis de renda fixa são remunerados pela companhia a uma taxa previamente acordada.
O volume de emissões desses títulos no setor de saneamento avançou de uma média anual de R$ 2,4 bilhões de 2013 a 2019 para R$ 12 bilhões no período de um ano encerrado em setembro de 2021.
Responsável pela nota técnica, o subsecretário de Política Macroeconômica do Ministério da Economia, Fausto Vieira, afirma que o Estado nunca teve condições de fornecer esse tipo de infraestrutura a contento para que os serviços fossem universais.
Para ele, esse cenário começa a mudar a partir da retirada de amarras para viabilizar a participação da iniciativa privada no setor.
“Já há uma mudança muito forte em projetos e financiamentos após o novo marco legal, isso é claro. Daqui para frente, veremos um percentual maior desses investimentos em participação do PIB [Produto Interno Bruto], o que vai possibilitar uma democratização desses serviços”, diz.
Apesar de a lei ter entrado em vigor em julho do ano passado, o decreto que regulamentou as novas regras foi editado apenas cinco meses depois, em dezembro.
Vieira explica que esses projetos são de longo prazo e, por isso, a simples aprovação do marco legal pelo Congresso já destravou as iniciativas. Agora, segundo ele, é preciso aguardar até que os projetos se desdobrem efetivamente em investimentos.
O marco do saneamento foi tratado como uma das prioridades da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia).
A lei amplia as possibilidades de que empresas privadas possam prestar os serviços. Companhias vencedoras de licitação terão de se comprometer com as metas de eficiência e universalização.
A lei define que, até dezembro de 2033, o acesso à água potável no país deve ser ampliado para 99% da população. O tratamento e a coleta de esgoto deve alcançar 90% dos lares no mesmo período.
O prazo para o cumprimento das metas poderá ser acrescido de mais sete anos. Isso será adotado se a empresa prestadora do serviço comprovar inviabilidade técnica ou financeira.
Antes da aprovação do texto, a equipe econômica argumentava que seria impossível atingir essas metas por meio de gastos do governo.
No momento da sanção da lei, em 2020, somente 6% das cidades eram atendidas pela iniciativa privada. As estatais eram responsáveis pelos serviços em 94% dos municípios.
O governo estimava um total de 104 milhões de pessoas sem serviço de coleta de esgoto no país, e outros 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada.
O potencial de investimentos estimado para a universalização dos serviços, segundo membros do governo, é de R$ 700 bilhões.
A nota técnica da pasta defende o avanço das privatizações e concessões para ampliar o atendimento aos mais pobres.
O órgão argumenta que o serviço estatal é menos eficiente, tem cobertura limitada e ainda mantém privilégios que são arcados pela sociedade, como uma média salarial mais elevada do que a praticada pelo mercado.
“Privatizações e concessões geram maior eficiência e proveem à população —principalmente aos mais vulneráveis— maior acesso a bens e serviços”, diz a nota.
O documento usa as telecomunicações como exemplo bem-sucedido de setor que passou a ser regido pela inciativa privada, viabilizando forte aumento nos investimentos, redução de custos e universalização de serviços.
A pasta cita levantamento de 2016 do BNDES que comparou os volumes de investimentos em telecomunicações e saneamento. Enquanto os gastos com telecomunicações em relação ao PIB no Brasil tinham patamar superior a países da Europa e os Estados Unidos, as despesas com saneamento ficaram em patamares menores do que até mesmo a média da América Latina.
“Há a necessidade de atração de participantes do setor privado para que façam os aportes e se tornem o motor de transformação do setor de saneamento, a exemplo do que ocorreu com a expansão dos investimentos em telecomunicações”, afirma o documento.