O senador Tasso Jereissati (PSDB) afirma que a CPI da Covid pode dimensionar a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro no agravamento da pandemia.
“Isso vai ser responsabilizado, sim, se minha impressão for confirmada por todos os membros da CPI, durante a investigação e pelas provas e depoimentos que vamos ter”, disse o senador, que é um dos integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito Nesta entrevista, ele aponta que o país tem perdido credibilidade, o que dificulta a captação de recursos para investimentos em infraestrutura e para a retomada.
Sobre as eleições de 2022, confirma que está entre os cotados para uma candidatura a presidente pelo PSDB e que esta possibilidade tem avançado. Mas destaca que mais importante é que se consolide uma opção que evite a reeleição de Bolsonaro ou a volta do PT, mesmo que ele não seja o candidato dos tucanos. Qual avaliação do senhor sobre a atuação do governo federal com relação à
pandemia da covid-19?
Na minha avaliação, e não tenho dúvida, apesar de que agora, como membros da CPI, nós vamos aproveitar para fazer todas essas investigações e até para aprofundar se as minhas análises têm procedência ou não, a atuação do governo não poderia ser mais desastrosa. Desde o início da pandemia, no começo do ano passado, ele (o presidente) sistematicamente começou a boicotar a orientação do ministro da Saúde na época [Luiz Henrique Mandetta]. Até os dias de hoje isso ocorre, porque ele ainda está dando declarações [equivocadas] e ao mesmo tempo comparecendo a eventos sem máscaras e com aglomerações. De lá pra cá, foi um conjunto de erros imperdoáveis.
Qual seria o erro que o senhor considera mais grave? Envolve os problemas para aquisição das vacinas ou o próprio comportamento do presidente Jair Bolsonaro?
É um conjunto, porque foram muitos erros. Relembrando aqui, e naquele começo de pandemia nós todos ficamos atordoados, não sabíamos direito o que iria acontecer, se tinha cura ou não, se teria vacina ou não, a única certeza no mundo científico era [a necessidade] do afastamento social, com a experiência de outras pandemias do passado. E, logo em seguida, a da higienização das mãos e o uso das máscaras. Quando o ministro Mandetta começou a pregar, como única indicação científica que tinha até então, o afastamento social para evitar que houvesse espalhamento do vírus, o presidente começou, já ali, a fazer o contrário do que o ministro da Saúde dizia de maneira ostensiva. Foi para grandes aglomerações sem máscaras. Naquele momento, não se sabia muito e nem vacina tinha. O afastamento social era fundamental, por ser a única arma que se conhecia. Mas o presidente boicotou já naquele primeiro momento. Então, naquele momento, nós já poderíamos ter o maior controle do alastramento do vírus. E, daí por diante, o que se deveria ter feito, e o próprio ministro Mandetta tentou pelo que sei… Ele tentou fazer uma grande campanha para conscientizar a população do risco daquele vírus, da gravidade da doença e orientar que a população tomasse os cuidados necessários e seguisse a recomendação para o afastamento social, o uso de máscaras e a higiene das mãos. Mas houve uma enorme desorganização. O ministro dizia uma coisa, o presidente fazia outra. E não houve mobilização. Isso não existe até hoje. É difícil calcular [a implicação desta falta de articulação para combate à pandemia]. Existe gente que faz isso, como o cientista Miguel Nicolelis. Daí ele (Bolsonaro) cometeu outro erro ao substituir o ministro da Saúde. Veja
bem, em plena pandemia, nós tivemos quatro ministros. Ele substituiu o ministro da Saúde, o que demonstrou também uma desordem administrativa, uma gestão absolutamente desastrosa. Isso tem consequências. Como calcular os prejuízos que isso trouxe ? Não sei calcular o número, mas está aí a falta de oxigênio, a insistência em não comprar a vacina da Pfizer, que foi oferecida ao governo onze vezes e se desprezou. Até hoje estamos pagando muito caro. Depois, tentou boicotar a única vacina que apareceu, que foi a Coronavac, do Instituto Butantan, e atrasou o máximo possível. E assim foi indo… Dessa confusa gestão resultou muitas mortes. No Amazonas, foi uma tragédia incalculável. Agora calcular todos esses números é difícil, mas tem gente que faz isso.
O senhor acha que vai ser possível dimensionar a responsabilidade do presidente no agravamento da pandemia e, nesta hipótese, atribuir punição?
Acho que sim. Não sei se vamos poder quantificar o que significou e o que poderia ou não ter acontecido em termos de doentes que foram intubados e problemas com a estrutura de saúde dos Estados e os sistemas que colapsaram em determinado momento. Mas isso vai ser responsabilizado, sim, se minha impressão for confirmada por todos os membros da CPI, durante a investigação e pelas provas e depoimentos que vamos ter.
Ao ponto de resultar na abertura de um processo de impeachment?
Não. O desfecho normal de uma CPI é enviar o relatório final aprovado pelos membros para o Ministério Público Federal, que toma as iniciativas penais cabíveis. Eu, pessoalmente, penso que, evidentemente, pode chegar a ser caso de impeachment, dependendo das responsabilidades que forem atribuídas ao presidente por sua culpa ou não. Agora, pessoalmente, sou contra. Não temos condições de fazer impeachment agora. Uma CPI como essa não demora menos do que seis meses para ser concluída. Um processo de impeachment leva, no mínimo, outros seis meses para ser concluído. Então, serão seis meses às vésperas das eleições, chegando em um ambiente muito conturbado. Por pior que seja este governo, é desnecessário neste momento [um processo dessa natureza].
Qual avaliação faz dos governadores estaduais na pandemia?
A minha avaliação é muito positiva até pela ausência do governo federal. Se o governo federal tivesse agido, os governadores, evidentemente, não teriam tido o protagonismo que tiveram agora. Mas quem tomou a iniciativa de fazer o distanciamento social, as campanhas nos seus estados, fechar comércio, que é desgastante, de entrar em atrito com os serviços, ter problemas na economia, foram os governadores, pela ausência total do governo federal. E tem outro erro grave do presidente por omissão. O que temos hoje de bom, na tentativa de resistir e tratar dessa crise, partiu dos governadores e do Congresso Nacional, porque mesmo as iniciativas mais importantes, como o auxílio emergencial, veio do Congresso. Então, pode ter havido aqui ou ali, algum problema de desvio ou de corrupção. Eu não sei, não tenho prova. Mas, no atacado, a atuação dos governadores foi positiva.
A base do governo e alguns integrantes do Planalto cobram que a CPI enfrente essa investigação com relação a suspeitas e dúvidas que alguns levantam sobre a possibilidade de ter havido desvios de recursos federais transferidos para os estados e municípios. O senhor acha que a CPI vai ter condições de fazer essa investigação?
Tem condições, sim. Não estou acusando ninguém, mas evidentemente o fato mais emblemático foi a questão de Manaus (AM), que todos nós acompanhamos. Pessoas morreram sufocadas por falta de oxigênio. Se, durante a investigação, surgir algum indício de que um governador ou um prefeito está envolvido nisso, claro que a CPI vai aprofundar essa investigação para os Estados também. E daí as Assembleias Legislativas serão capazes de tomar iniciativas. Mas de maneira alguma, e não estou aqui generalizando, o caos que nós vivemos hoje e as 400 mil mortes que temos, é culpa de algum governador. Se em algum estado houve problema, e pode ter havido… Mas no atacado, como eu disse, nenhum deles, isoladamente, é o responsável pelo caos no qual nós chegamos.
Outra dúvida que se levanta é com relação ao ambiente que a CPI pode criar na política nacional e no Congresso. Nessa situação, vai ser possível enfrentar assuntos como as reformas tributária e administrativa, que são apontadas como fundamentais para uma retomada do país?
Eu acho muito difícil que essas discussões, como a reforma tributária, irem adiante agora. Mas não por causa da CPI, por causa da pandemia e da desorganização que existe no governo hoje. Vamos lembrar que, até a semana passada, nem o orçamento, que é o básico para começar o ano, havia. Na Inglaterra, o orçamento é levado em livro de ouro, todo especial, para a Rainha e, no Parlamento, é a peça mais importante do ano. Aqui ficamos sem orçamento até a semana passada e veio completamente disforme, tanto que não pode ser executado, porque a conta não fecha. Então, essa desordem que existe na gestão federal não vai permitir que se leva a sério agora nenhum projeto de reforma tributária.
O senhor disse recentemente, em entrevista, que usar a CPI como arma eleitoral, é até falta de caráter. Vai ser possível evitar o uso eleitoral, com a divulgação de documentos e tudo que será transmitido?
Não tem como evitar de maneira específica. Pode ter um senador ou outro que queira usar a visibilidade da CPI. Um candidato a governador [pode tentar] usar aquele momento para atacar um governador ou seu adversário, mas será algo pontual. Eu digo que a maioria não vai permitir que isso aconteça.
Recentemente, houve substituições na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Quando Paulo Guedes foi nomeado ministro, havia uma expectativa positiva entre os empresários. Há certa frustração? O ministro da Economia pode ainda conduzir o país a uma recuperação?
Eu estou, como todo brasileiro, torcendo para que sim, para que isso aconteça. Mas a minha preocupação é baseada no que se falou em reformas tributária e administrativa. Não tem nenhuma proposta de reforma tributária do governo até hoje. Tem propostas nascidas no Congresso, dois projetos apenas, um da Câmara e outro do Senado. Do governo, não existe. A reforma administrativa que o governo propõe, não existe. Então, estamos entrando em maio, quase dois anos e meio de governo e não temos nada. É difícil achar que alguma coisa ainda vai vir, porque são dois anos e meio e sem pandemia no primeiro ano para apresentar todas essas propostas. Eu acredito que haja um grande desentrosamento. Até acredito na boa vontade do ministro [Paulo] Guedes, mas há um grande desentrosamento. Assim como o presidente fez com o ex-ministro da Saúde, Mandetta na época, ele de alguma maneira já desmoralizou o ministro Paulo Guedes algumas vezes. O ministro anunciava determinados programas e ele “desanunciava”, vamos dizer assim. Acho que não há consenso dentro do governo. Na minha opinião, não haverá tão cedo a possibilidade de consenso, porque o ministro Guedes se define como um liberal, e acho até que seja, mas o presidente Bolsonaro não é um liberal. Ele é essencialmente corporativo. Basta ver o histórico dele de votações durante a permanência dele na Câmara dos Deputados, que não tem nada de liberal. Então, como é que vão conseguir colocar no mesmo trilho duas visões tão diferentes? Está aí o resultado, não sai nada.
Depois das tentativas do governo de barrar a CPI ou a relatoria do senador Renan Calheiros (MDB), agora que está instalada, qual a maior dificuldade para a CPI?
Acho que a dificuldade vai ser sistematizar essas informações, que são tantas e relacionadas com tantos assuntos diferentes, que vai desde à questão das vacinas, passando pela questão do uso de máscara, da falta de oxigênio em Manaus. Então, tem muitos aspectos. E vai ter um grupo que vai tentar desfocar a CPI para governos estaduais e prefeituras e isso vai atrapalhar a rapidez com que a Comissão vai andando. Acho que vão ser os dois grandes problemas.
Como ver hoje a questão do teto de gastos e desequilíbrio fiscal?
Nós estamos em uma situação fiscal muito difícil. Essa conta vai ter que ser paga um dia, mais cedo ou mais tarde. As hesitações que o presidente está tendo nas questões do auxílio emergencial, que deveria ter começado desde o início do ano… Sabíamos que em janeiro viria uma segunda onda do coronavírus, então [o auxílio emergencial] não poderia ter sido interrompido. Foi interrompido em nome do teto de gasto, mas vai acabar custando muito mais caro para o Tesouro Nacional do que se tivéssemos feito lá. Vamos ter um país com uma taxa de desemprego enorme no fim do ano. Nós vamos ter um problema de uma dívida que deve estar no fim do ano… Espero que não atinja, mas estará perto de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), ao mesmo tempo pegando o rescaldo de um ano de pandemia. Então, vai precisar de muitos recursos para dar uma levantada do país, para que o país volte a ter crescimento. Nós vamos ter, acho que no ano que vem, por causa da inflação, uma folga fiscal um pouquinho maior, porque o teto vai aumentar por causa da inflação. Mas não podemos mais aumentar a dívida. Nós estamos no limite do limite e sem credibilidade para conseguir recursos. A grande questão que vamos ter no aspecto fiscal é a credibilidade para podermos atrair investimentos e fazer os investimentos necessários para a retomada da economia e do emprego e, ao mesmo tempo, credibilidade para rolar os nossos títulos a juros razoáveis. Então, é muito difícil a situação fiscal e principalmente porque estamos perdendo a credibilidade.
Como surgiu a ideia do senhor disputar as prévias do PSDB, visando uma possível candidatura à Presidência pelo partido?
Não surgiu propriamente a ideia de eu disputar a Presidência. Admiti a possibilidade, porque, dentro de determinadas circunstâncias, acredito que vamos ter dois extremos, Lula em um e Bolsonaro em outro. Então, existe um espaço de centro, mas esse espaço deve ser preenchido por poucos candidatos, caso contrário nenhum deles vai chegar ao segundo turno. É preciso fazer uma grande articulação para diminuir ao máximo o número de candidatos em nome do país. Para isso, vai precisar de muito acordo. O presidente do meu partido, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), lançou o meu nome e eu disse para ele que se fosse para ajudar, trabalhar primeiro dentro do partido e com outros partidos de centro, eu estaria disposto a participar das discussões. Mas dentro dessas condições.
Isso tem evoluído, senador, desde então?
Tem evoluído. Temos conversado bastante, com outros partidos, com pessoas dentro do partido, com outros candidatos. Enfim, esse é um caminho.
Hoje o senhor se consolida como um dos nomes e uma alternativa no PSDB à Presidência da República em 2022?
Não digo que me consolido. Não sou melhor do que ninguém. Acho que é o caso de servir até como catalisador… E não tem de ser necessariamente, na verdade, o meu nome. Ficaria feliz mesmo que não fosse meu nome. O importante é ajudar nessa articulação.
Como é que fica o Brasil se mantiver esse nível de polarização?
Eu me recuso a visualizar o Brasil com mais quatro anos do governo do presidente Bolsonaro. Com certeza nós teríamos muitos problemas. E, como eu disse, existe a questão da credibilidade. Seria muito difícil nos recuperarmos. Está aí o problema do meio ambiente, que hoje é uma bandeira de todos os países desenvolvidos. Um problema sério para o planeta e para a humanidade. O país está sendo considerado pária. Na questão da própria pandemia, estamos sendo motivo até de piada, em um momento muito grave. Vimos toda a Assembleia francesa rindo de atitudes do presidente Bolsonaro. Eu não consigo visualizar isso [continuar], porque dessa maneira não vamos ter credibilidade. E o governo do PT, que até foi bom nos primeiros anos de Lula, quando teve uma política econômica equilibrada, deixou o Brasil bem posicionado, caiu e ficou velho no segundo mandato dele e, principalmente, no de Dilma. Então, é uma coisa velha, antiga e ultrapassada. Espero que o Brasil não tenha esse retrocesso. Vejo com muita preocupação [a polarização entre Bolsonaro e o PT] e, por esse motivo, eu me dispus a participar dessa discussão sobre a sucessão.
Sempre que se cogita sua candidatura, se fala em Ciro Gomes pela ligação política que houve com ele. Há alguma possibilidade de Tasso e Ciro caminharem juntos em 2022?
Primeiro, acredito que Ciro é candidato, vai ficar até o fim, tem esse direito e luta por isso há muito tempo. Agora eu tenho visto uma posição muito crítica, não da minha parte, mas do Ciro em relação ao meu partido, o PSDB. Imagino que nem ele pense em uma aproximação desta do ponto de vista eleitoral.