Relator de dois dos mais importantes projetos aprovados no governo do presidente Jair Bolsonaro, a Reforma da Previdência e o Marco Legal do Saneamento, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) avalia que o Brasil está entrando “no olho do furacão” da crise econômica trazida pelo novo coronavírus. A superação, segundo ele, virá com reforço de recurso privado, inclusive do Exterior.
Em seu segundo mandato como senador, três vezes governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB) reforçou seu protagonismo no Legislativo Federal como relator de duas das mais importantes matérias aprovadas no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido): a Reforma da Previdência, votada ainda em 2019, e o Marco Legal do Saneamento, apreciado há duas semanas. Este, segundo ele, se trata de um projeto de universalização e não de privatização.
“A telefonia, que era um problema enorme, hoje, é praticamente universal. A mesma coisa com a eletricidade. Já o saneamento, que seja talvez a mais básica de todas as infraestruturas, não”, diz ele, que destaca as metas impostas pela nova legislação, com as quais as concessionárias, sejam públicas ou privadas, terão de se comprometer.
Para o senador, entretanto, o Brasil – assim como o Ceará – precisará de recurso privado para superar a crise econômica trazida pelo novo coronavírus. “Vamos precisar muito do investimento privado, dos recursos do Exterior, de restabelecer no País um clima de confiança para que a gente possa retomar o crescimento o mais rápido possível”, explica.
Na política, ele aponta a necessidade de renovação e afirma a vontade de se engajar na campanha deste ano o quanto a pandemia permitir. O palanque no qual pode estar presente, no entanto, ainda não está definido, podendo ser alguém do seu partido ou o nome indicado pelo prefeito Roberto Cláudio (PDT) e o governador Camilo Santanta (PT). “O que eu acho importante é renovar”, disse em entrevista concedida ao O Otimista na última sexta-feira, com transmissão ao vivo pelas redes sociais.
O Otimista – O senhor tem repetido que o marco legal do saneamento básico não trata de privatização e sim de universalização. Gostaria que o senhor explicasse essa afirmação.
Tasso Jereissati – É inaceitável que cerca de 100 milhões de brasileiros não tenham acesso a coleta de esgoto. Nós montamos, cerca de 30 anos atrás, um modelo que não funcionou. O modelo que dá aos municípios a titularidade da concessão dos serviços e que os estados fizeram grandes companhias estaduais para servir a esses municípios. Esse modelo não funcionou porque os investimentos necessários são altíssimos, porque não é uma obra popular e devido à distorção em várias dessas companhias, em que boa parte era deficitária ou não tinha robustez para alavancar recursos. Não é nem privatizar, nem estatizar, nem estadualizar. É um modelo que soma todos os recursos que podem existir, ou privados ou estaduais, e a eficiência com a competição, para que a gente chegue a determinada meta. Essas metas vão ser obrigatórias. Se a companhia estadual for eficiente, tiver condição, continua estatal. Se não, vamos buscar recursos da iniciativa privada.
O Otimista – Marco legal aprovado, ambiente regulatório criado. O próximo passo é atrair esse investimento. Como isso vai acontecer?
Tasso – Isso vai ser feito através de uma agência regulatória nacional, a ANA (Agência Nacional de Águas), ela vai ficar tecnicamente mais robusta e vai dar os parâmetros para os serviços e as agências regulatórias estaduais. Os governos estaduais e os municípios vão modular de acordo com a sua necessidade. A companhia estadual pode renovar (os contratos) mas vai ter que se comprometer, sob pena de multa, a atingir aquelas metas, além disso, provar que tem capacidade financeira para fazer isso. Se isso não acontece, vai caber ao gestor municipal ou estadual montar consórcio de municípios e oferecer para uma concorrência, ou chamar capital para a companhia de saneamento através da abertura de capital, ou fazer uma PPP (Parceria Público-Privada), enfim, está se dando muitas opções. Evidente que elas têm que ser interessantes para a iniciativa privada. O marco regulatório dá segurança jurídica para atrair esses investimentos.
O Otimista – O último marco legal tem 30 anos. Já fazia tempo que se tentava uma nova regulação, tinha um projeto posto que perdeu a validade. O senhor acredita que esse ambiente de pandemia colaborou para o que o texto fosse aprovado?
Tasso – Sem dúvida. Ficou muito exposta ao sol a gravidade desse problema. Você, por exemplo, fazendo intensa propaganda para lavar as mãos e boa parte da população não tem sequer água tratada ou água limpa dentro de casa. Agora, há também a consciência nacional de que isso é uma vergonha. Em termos de infraestrutura, e investidor internacional gosta muito de obra de infraestrutura, não existe nenhum mercado deste tamanho. Evidentemente que precisa outras condições, estabilidade política, confiança no futuro do País, mas é um investimento extremamente atraente para os investidores internacionais e nacionais.
O Otimista – O senhor tem se posicionado contra o Governo Bolsonaro, mas também contra o impeachment. O senhor acredita que a população compreende essa postura?
Tasso – A radicalização de dois polos é ruim para o País, a sociedade e a população. Isso leva ao ódio. Quando você não aceita mais os argumentos, eles viram xingamento. O que eu defendo é a mesma posição há mais de 30 anos, a do equilíbrio, de que aquilo que é melhor para a população naquele momento é o importante e a ideologia não está acima disso. Hoje, no momento em que nós estamos, com uma crise sanitária gigantesca, talvez a maior do mundo, com uma crise social, o desemprego enorme, com uma crise econômica, provavelmente entrando na maior recessão da nossa história, juntar-se a isso uma crise política com um processo de impeachment é um erro grave. Somos contra essa iniciativa, até porque é um processo que vai aprofundar essas outras crises e o presidente Bolsonaro, gostando ou não gostando, ainda tem forte apoio popular e isso não acontece com tranquilidade.
O Otimista – Como o senhor avalia a condução do Estado e do País no meio dessas crises?
Tasso – Do ponto de vista sanitário, apesar de estarmos (o Ceará) entre os maiores estados em infecções, a crise está sendo conduzida tecnicamente, muito bem conduzida. Acho que o pior já passou. Nós temos aí uma visão de começar a flexibilizar com muito cuidado e acho que estamos indo muito bem. Agora, tem a questão econômica, que nós vamos ter que enfrentar e esperamos ver qual é a postura do governo, tanto do Estado quanto da União, qual é o planejamento, quais são as armas que vão usar. Essa é uma questão ainda que temos que ver e enfrentar.
O Otimista – Estamos vivendo um momento de muita despesa pública. Como vai ficar a situação fiscal brasileira quando tudo isso passar?
Tasso – Vai ficar terrível. Vamos ter que conviver com a necessidade de investir para retomar os empregos e, ao mesmo tempo, sem recurs porque o caixa passou do limite. Vamos precisar muito do investimento privado, da confiança, dos recursos do Exterior, de restabelecer no País um clima de confiança para que a gente possa retomar o crescimento o mais rápido possível porque vamos estar com essa questão da crise fiscal. Já passamos do limite. E a questão da renda, como já falamos, vai estar muito carcomida quando terminar esse auxílio emergencial.
O Otimista – Existem reformas, como a tributária, que podem contribuir na travessia da crise. É hora de discutir isso?
Tasso – A Reforma Tributária, no meio da pandemia, acho muito difícil de discutir. Estamos fazendo sessões remotas, tanto na Câmara como no Senado. A Reforma Tributária é muito difícil porque atinge interesses muito complexos, desde da União, dos estados e dos municípios; dos entes públicos que se chocam com os privados. Existe muita conversa para um acordo. Então não acredito que, num segundo semestre curto que a gente vai ter, até pela proximidade das eleições, que essa reforma venha a ser votada. Discutir acho que nós vamos ter que discutir. Tem uma expectativa que o Executivo Federal apresente uma proposta sua de Reforma Tributária.
O Otimista – O Congresso vem fazendo o papel dele na crise?
Tasso – Sim, fizemos a Reforma da Previdência, o marco legal do saneamento, acabamos de fazer o adiamento necessário da eleição, acabamos de votar a lei contra fake news, que é muito polêmica, mas precisava ser tratada. Acho que o auxílio emergencial nós votamos com muita rapidez, a questão do auxílio às pequenas empresas, nós votamos. O Congresso, de uma maneira geral, tem se saído muito bem na crise graças a Deus, porque tem tomado o protagonismo em determinado momento. Os próprios governadores porque assumiram quando o Executivo, de alguma forma, lavou as mãos na pandemia. Boa parte dos governadores assumiu essa liderança.
O Otimista – O senhor falou da lei contra fake news. É viável disciplinar a internet?
Tasso – Votei favorável (à aprovação da lei). Acho que essa é uma maneira fácil de desonrar terceiros, contar histórias falsas, xingar, achincalhar, através do anonimato na internet. Não pode continuar do jeito que está. Evidentemente que existe uma linha aí entre liberdade de expressão e liberdade de caluniar, de difamar e ficar incólume, escondido no anonimato. Mas continuar como está é que não pode. Não sei se é possível, mas é possível tentar e todos os países do mundo estão tentando. Todos os países estão fazendo um esforço nesse sentido, de dar uma regulação, uma responsabilidade, sem limitar a liberdade de expressão de cada cidadão. O Brasil não pode ficar atrás.
O Otimista – O senhor pretende se posicionar nas eleições municipais? A favor de que candidato em Fortaleza?
Tasso – Nosso candidato hoje é o Carlos Matos. Quem está conduzindo isso é o presidente do partido, Luiz Pontes. Hoje, sou apenas um conselheiro, o partido ouve minhas opiniões, mas a condução é do presidente, que está tendo uma interlocução com vários candidatos e o nosso candidato também, que está conversando com possibilidades de alianças com outros partidos. O jogo político está sendo montado. A pandemia atrasou esse processo. Eu, por exemplo, ainda não tive nenhuma reunião presencial nem com o Luiz Pontes, nem com o Carlos Matos, nem com outro candidato. Até porque não tem outros candidatos totalmente definidos. Tem um cenário ainda a ser montado.
O Otimista – O senhor apoiaria algum candidato da situação?
Tasso – Claro. O que eu acho importante é renovar, acho que estamos num processo em que é importante o surgimento de novas lideranças, nessa nova política, nessa nova maneira de se comunicar, através da internet e redes sociais, e desafios enormes para o Ceará ultrapassar, como o do saneamento básico. Gente nova, com novas ideias e muita energia, é necessário.
O Otimista – O senhor acredita na formação de uma frente ampla democrática no Congresso?
Tasso – Eu não posso dizer pela Câmara porque não tenho tanta convivência. Mas, no Senado, alguns assuntos têm tido frente ampla. Juntar todos os partidos, agora, contra ou a favor de alguma coisa eu não acho muito possível, nem muito bom. Apesar da oposição que eu pessoalmente faço ao presidente Bolsonaro, eu não faço parte do “quanto pior melhor”. Na área econômica, tenho muita afinidade com que o ministro Paulo Guedes tem proposto e aquilo que eu achar bom para o país eu voto independente de qualquer diferença política. O que for bom para o Ceará, eu voto, me posiciono.
O Otimista – E essa frente ampla ser a favor de alguém em 2022, se não com todos os partidos, mas com uma grande parte, é viável?
Tasso – Viável é, mas não acho provável, porque tem muitas linhas diferentes. Tem a extrema direita, a extrema esquerda e, entre esses dois extremos, tem uma série de visões de mundo.