Senador tucano diz que fragilidade da articulação política do governo Bolsonaro instituiu no País uma espécie de “parlamentarismo branco”
Voz influente no Congresso, líder importante do PSDB nacional, o senador cearense Tasso Jereissati volta a Brasília, amanhã, acreditando que o cenário politico mudará pouco em relação a 2019. Parlamentarista por formação, ele considera que o protagonismo do Congresso salvou um ano que tinha tudo para ser perdido, diante dos erros e trapalhadas do governo comandado pelo presidente Jair Bolsonaro. Para a nova temporada política, Tasso defende prioridade ao debate sobre o novo marco legal do saneamento, pelo atraso absurdo, na sua visão, do Brasil no setor.
Quanto à expectativa tucana nas eleições municipais no Ceará, o senador diz que o mais importante é apostar em novas lideranças, coisa que, diz, o partido está fazendo. Confira os trechos principais da conversa com O POVO, na tarde da última quinta-feira:
O POVO – Qual o balanço que o senhor faz de 2019, na política e no Congresso?
Tasso Jereissati – Foi um ano melhor do que se imaginava. Realmente, se você pegar o final de 2018 e comparar agora com o fim de 2019, na área econômica….Estou falando especificamente da área econômica.
O POVO – Pois é, como isso foi possível diante de um governo tão desarticulado na política?
Tasso Jereissati – Foi possível até por causa disso. Acho que a ausência de articulação no Parlamento foi tão grande que o Congresso decidiu agir por modo próprio. O Congresso assumiu protagonismo por si só, sem precisar de uma articulação mais sofisticada, digamos assim, e podemos dizer que, no ano de 2019, as grandes melhoras, evidentemente que quem deu o tom na economia foi o ministro Paulo Guedes, foram operadas, sem dúvida nenhuma pelo Parlamento.
O POVO – O senhor diria, projetando 2020, que o quadro deve continuar assim, uma espécie de parlamentarismo branco?
Tasso Jereissati – Até, por formação, sou parlamentarista, e estou vendo na situação uma oportunidade e uma experiência. Estamos vivendo uma situação em que o Congresso usa o bônus, a força do parlamentarismo, sem as consequências dos prejuízos que pode vir a ter diante de qualquer caso de instabilidade. Porque no parlamentarismo um presidente da República tem a faculdade de convocar novas eleições, gerando um impasse muito grande, e, evidentemente, o Congresso é obrigado a ter responsabilidade maior porque as consequências não são apenas para o Executivo, recaem também sobre o Parlamento. Por isso é que digo, como parlamentarista, que vivemos hoje no País uma experiência interessante.
O POVO – Ao mesmo tempo em que há esse cenário na economia, em outros campos vislumbra-se muito retrocesso… O senhor vê esse risco, de retrocessos? Na democracia, inclusive?
Tasso Jereissati – Na democracia não. Até porque nós temos resistido, Congresso, imprensa, academia, a qualquer iniciativa que tenha viés autoritário.
O POVO – Onde estariam os riscos?
Tasso Jereissati – O fracasso (do governo) fora da área de economia é quase geral. Dou como exceção, pelo que tenho acompanhado, a ministra da Agricultura (Teresa Cristina), que tem conseguido fazer um trabalho excelente.
O POVO – Apesar de prejudicada pelas ações do próprio governo, em muitos momentos.
Tasso Jereissati – É, mas, por outro lado, você pega o ministro da Educação, ministro das Relações Exteriores, nessa área da Casa Civil etc e temos um desastre. Uma coisa até trágica. Essa última agora do rapaz da Cultura, com aquele discurso ‘goebelliano’, um verdadeiro acinte à civilização.
O POVO – Com relação a isso, senador, ocupará o lugar de Roberto Alvim a atriz Regina Duarte, muito ligada ao PSDB. Para o partido, isso cria algum constrangimento?
Tasso Jereissati – Não, não. Não sei se ela ainda é filiada ao partido, acho que não.
O POVO – Mas, ela sempre foi muito identificada com o PSDB.
Tasso Jereissati – E foi sempre uma pessoa muito aberta culturalmente, a mudança é da água para o vinho entre ela e o Alvim. Considero uma boa sinalização, pelo menos nessa área.
O POVO – Nesse contexto, do que vai acontecer a partir da próxima semana, qual a expectativa do senhor em relação à agenda do Congresso?
Tasso Jereissati – O ano eleitoral, tradicionalmente, é mais curto no Congresso, a partir de um certo momento parece inevitável que aconteça uma debandada dos parlamentares. Mas, nós temos temas importantes na pauta e o mais urgente, para mim, é a questão do saneamento.
O POVO – Deveria ser a prioridade do Congresso? Inclusive em relação a temas como as reformas tributária e administrativa, sempre citadas pelo governo e pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia?
Tasso Jereissati – Para o País, sim. Tenho dito, e repetido, que é o setor no qual o Brasil está dois séculos atrasado em relação ao resto do mundo. Não tem sentido, em qualquer país medianamente desenvolvido, civilizado, você estar andando em cima de esgoto aberto, como acontece aqui em Fortaleza, aqui do lado (da Torre Empresarial Iguatemi, de onde despacha quando está em Fortaleza). Não estou falando nem de Interior. É inaceitável.
O POVO – O senhor é relator de um texto em discussão no Congresso de um novo marco legal para o saneamento. Do jeito que ele está, ataca os problemas atuais?
Tasso Jereissati – Não tenho ainda o texto final, vou começar a estudar agora, na volta, mas, sem dúvida nenhuma, tem grandes avanços. O que a gente precisa é decidir que não podemos continuar a viver quase na Idade Média, apenando uma geração inteira. Para tirar esse atraso é necessário somar investimentos privados, porque o setor público não dispõe dos recursos necessários para, no médio prazo, resolver essa questão.
O POVO – A crítica que se faz à proposta é quanto ao fato dela ser privatizante, por um lado, e de não prever universalização. Ou seja, haveria o risco de moradores de municípios menores, por exemplo, ficarem desassistidos.
Tasso Jereissati – Essa é uma pergunta que eu acho até estranha. É uma crítica bastante feita, de fato, mas é fundamentalmente corporativa. A pergunta que você me faz eu devolvo com outra pergunta: nos 40 anos desse sistema totalmente estatal os pequenos municípios estão com esgoto? Eles não têm! Deixar o sistema como está significa deixar as coisas como estão. O debate não é ideológico, a ideia não é privatizar ou estatizar, é garantir o serviço à população, de uma maneira ou de outra. Numa situação em que o Estado, ou o município, não dispõe de recursos para fazer isso, e não fez, junta-se a iniciativa privada para levar com mais rapidez esse serviço essencial à população.
O POVO – Dentro do que está proposto prevê-se algum tipo de compensação, digamos assim, considerando aquela situação menos atrativa aos investidores?
Tasso Jereissati – Muito mais do que hoje. A ideia é que se formem blocos. Um exemplo hipotético, não é esse caso, mas se você decide abrir uma licitação aqui em Fortaleza, ficam estabelecidos termos, através dos quais, de novo, em termos ilustrativos, quem ganha na Aldeota vai ter que fazer Quixeré. A gente propõe sistema de blocos, não é apenas um ou outro….A ideia é que você, ao participar de uma licitação, ofereça as melhores condições de rapidez, qualidade e de preço para o consumidor final, com a obrigação de, como a gente fala, pegar não apenas o filão, mas, também, o osso.
O POVO – Como o senhor avalia a situação atual do PSDB? O comportamento que teve num ano tão conturbado para a política e depois de ter saído de um processo eleitoral tão fragilizado.
Tasso Jereissati – Acho que estamos desempenhando um papel altamente responsável. Não fomos para o governo, temos alguma afinidade na área econômica, é verdade, mas as diferenças que temos em outras áreas são profundas. Na área de comportamento, na cultura, na visão de mundo, na política externa, então, não estamos fazendo aquela política do quanto pior, melhor, como é o caso daqueles partidos que querem que o Brasil vá mal para tirar proveito nas próximas eleições.
O POVO – Cobra-se muito do PT que faça uma autocrítica sobre seus erros, mas o PSDB também não precisaria fazer a sua?
Tasso Jereissati – Eu fiz! Quando fui presidente temporário da executiva nacional e fui além, inclusive, porque fiz um filme no horário partidário em que pedi desculpas. Acho que quem não faz uma autocrítica está condenado a morrer no pecado.
O POVO – A reação forte à decisão de fazer a autocrítica pelo PSDB talvez explique o receio que tem o PT, por exemplo, de ir por esse caminho. Especialmente no ambiente interno.
Tasso Jereissati – A reação é mais interna do que externa, mesmo. Tenho certeza de que não estaríamos no quadro atual de dificuldades se o partido tivesse abraçado aquele movimento.
O POVO – Em relação às eleições de 2020 no Ceará, qual a projeção que o senhor faz?
Tasso Jereissati – Nós estamos procurando fazer uma renovação, não apenas no sentido de idade, renovação de cabeças, de mentalidade. No caso de Fortaleza temos trabalhado na formação de uma chapa boa de candidatos à Câmara de Vereadores e para disputar a Prefeitura temos o Carlos Matos, um nome respeitado, preparado, sem perder nossa coerência e nossos princípios.
Aprovado
O PSDB terá candidato a prefeito de Fortaleza em 2020: o ex-deputado Carlos Matos. Tasso Jereissati elogia o correligionário, mas diz considerar que Roberto Cláudio (PDT) faz uma “boa gestão”.
Fonte: Jornal O POVO, 02/02/2020.