Com a reforma da Previdência sob responsabilidade do Senado, o relator da proposta na Casa, Tasso Jereissati (PSDB-CE), diz que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deve ficar quieto para não atrapalhar a tramitação e evitar atritos.
Em entrevista à Folha, o senador defende que o governo adie medidas polêmicas até a aprovação da reforma, inclusive a indicação do filho do presidente —o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)— para a embaixada em Washington.
Segundo o senador, a relação do governo com o Congresso é “horrorosa”.
Mudanças à proposta de reestruturação das regras de aposentadoria já chancelada pelos deputados devem ser feitas pelos senadores em uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) paralela, a ser preparada por Jereissati.
Líderes do Senado se articulam para que a reforma da Previdência tenha efeito para estados e municípios. Além disso, o relator considera retomar o debate sobre a criação de um novo sistema de aposentadorias, a capitalização, no qual cada trabalhador faz a própria poupança.
Qual sua avaliação do texto da reforma aprovado na Câmara?
Muito bom. Está razoável para as condições e circunstâncias que estamos vivendo. Acho que a maioria das pessoas não esperava que fosse possível fazer um texto tão avançado, tão amplo com uma relativa tranquilidade tanto política como da sociedade. Foi o melhor dentro do possível.
O governo não ajudou muito na articulação com a Câmara. Qual sua expectativa no Senado?
Vamos ter algumas vantagens porque grande parte das discussões mais duras já foi feita na Câmara. Alguma participação do governo é importante. Principalmente no relacionamento entre estados e municípios, que é um dos pontos que estamos querendo incluir, e facilitar a aprovação por alguns setores que podem estar insatisfeitos aqui ou ali.
Mas, basicamente, a grande articulação está sendo feita por nós mesmos, pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e pelas grandes lideranças da Casa.
Mas que posição o sr. espera de Bolsonaro, dado que declarações dele tumultuaram o processo na Câmara?
Acho que a postura que ele deve ter é quanto mais calado, melhor, que aí as coisas fluem com mais tranquilidade, sem criar nenhum ponto de atrito.
Aquelas declarações, algumas iniciativas, ele pode suspender, por enquanto, para não contaminar o ambiente. Por exemplo, a indicação do filho como embaixador.
O Senado é que vai respaldar ou não uma possível indicação para embaixador nos Estados Unidos. Qualquer coisa que venha contaminar o ambiente não é bom que venha do Poder Executivo.
A reforma tributária também pode atrapalhar?
É melhor que deslanche só depois de o assunto [Previdência] passado em plenário aqui. Até por questão de tempo, sessões na CCJ, comissões etc. Acho que, no fundo, não vai atrapalhar, mas que ela venha entrando lentamente, sem se misturar com as discussões da reforma da Previdência.
Acho que a reforma tributária é até mais complexa. Envolve interesses conflitantes de União, estados, municípios, do contribuinte, do consumidor. Vai ser uma surpresa muito grande se alguma reforma complexa dessa maneira for aprovada até o fim do ano.
Todas as mudanças do Senado vão para essa PEC paralela?
O coração da PEC paralela é a inclusão de estados e municípios. Pode haver [outras mudanças] porque agora é que vamos entrar no processo de ouvir os senadores.
Durante a discussão na CCJ, provavelmente várias emendas e sugestões vão aparecer, e é praticamente impossível eu dizer hoje o que pode ou não ser aproveitado.
A discussão da capitalização é possível, sim. Não nos termos em que veio do governo, mas mais abrangentes. Não vou dizer que vai colocar, vai depender do ambiente. Ainda não tenho convicção firmada. [no sábado (10), o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) disse que o governo enviará ao Congresso um PEC exclusiva sobre capitalização]
E o gatilho, aquele aumento automático da idade mínima, a cada quatro anos subiria a idade para poder se aposentar?
Não acho tão importante hoje, mas vamos começar um mês intenso de discussões.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ, disse não achar interessante fazer a reforma para estados e municípios. Ela defende a ideia de criar um dispositivo para que fizessem por lei complementar suas próprias reformas. Na Câmara, vários líderes dizem que o destino dessa PEC é a gaveta. Como contornar essa questão política?
Vamos ter alguns acontecimentos que vão dar um clima diferente, mesmo na Câmara, nos próximos dias. Li que os governadores vão assinar um documento e enviar à presidência do Senado, de apoio à inclusão de estados e municípios. Isso muda bastante o quadro na Câmara.
Já recebi os dois presidentes das maiores entidades municipais, todos favoráveis, apoiando e pedindo a inclusão dos municípios. Se realmente acontecer esse consenso, pode mudar o clima político na Câmara também.
Isso derruba o discurso de que só parlamentares ficarão com o ônus político?
Não vejo isso como ônus político. Hoje há uma consciência gigantesca na sociedade. Evidentemente existem grupos insatisfeitos. É impossível fazer alguma mudança sem que um grupo ou outro fique insatisfeito. Agora, num momento como este, um mínimo de sacrifício é exigido para todos.
E a pressão das entidades, das categorias, certamente a bazuca deles vai virar aqui para o sr.
Estamos com 30, 40 associações já prontas para conversar. Pode aparecer uma injustiça, um equívoco. A gente tem obrigação de ouvir.
O senhor pretende estudar alterações como na transição ou pensão por morte?
No momento, estamos muito firmados em torno de estados e municípios.
Mas e transição e pensão por morte?
Acho que alguns ajustes que tinham que ser feitos já foram feitos.
E medidas para aumentar a receita?
Há questões técnicas que estão sendo colocadas, como buscar compensação fora da questão previdenciária, como o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido [CSLL] dos bancos, que não seria Previdência, seria uma questão de reforma tributária.
Tecnicamente tem gente que discute se isso pode deixar ou não distorções. Não vejo como boa técnica procurar soluções, neste momento, através de aumento de receita. Não é esse o espírito da reforma da Previdência.
Vai ser mantido o fim da aposentadoria compulsória para juízes?
Todas essas questões que não são polêmicas, hoje, aqui, vamos, por enquanto, dar como mantidas.
A reforma na Câmara passou por causa do governo ou apesar do governo?
Não foi apesar do governo. Talvez apesar do presidente [Bolsonaro]. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi muito importante, mas os esforços do Rogério Marinho [secretário especial de Previdência e Trabalho] e do Paulo Guedes [ministro da Economia] também foram.
Como o sr. vê a liberação de emendas para a aprovação da reforma da Previdência?
Há uma ruptura do discurso durante a campanha e na prática do Bolsonaro quando presidente? Claro. Faz parte da nossa cultura, faz parte do relacionamento histórico do Congresso com o presidente da República. Não deveria ser dessa maneira, mas isso nós vamos resolver só com a reforma política. Não vai ser agora nessa reforma, nem no grito.
O sr. já avaliou a relação do Executivo com o Congresso como uma coisa horrorosa. Como vê agora?
Há coisas horrorosas com as quais a gente se acostuma e acaba não ficando tão espantado. Continuou horrorosa, mas a gente está se acostumando com esse comportamento um pouco excêntrico [de Bolsonaro].
Recentemente ele disse que, se o Congresso não aprovar o filho [Eduardo] para ser embaixador nos EUA, ele o colocará como chanceler e que vai querer ver quem tirará ele de lá. Isso é de uma hostilidade, de uma falta de respeito com o Congresso gigantesca. Mas a repercussão foi já muito melhor, porque estamos nos conscientizando de que vamos ter de conviver com isso nos próximos três anos.
Com as mais recentes declarações do presidente, como contestação de dados de desmatamento, tentativa de tirar receita de jornais, comentários sobre fatos da ditadura, o sr. acha que estamos beirando o autoritarismo?
É absolutamente claro que o presidente tem uma tendência autoritária. Por isso é que temos que ter muita cautela em conduzir, criar e evitar crises no país. Precisa ter cautela para preservar os Poderes para que esse equilíbrio não seja quebrado. O homem está eleito.
E parece que ele não melhora, só piora. É só notar do recesso [de julho] para cá. Ele disparou uma quantidade de frases absurdas.
E impeachment, não existe essa palavra mais. Então, vamos ter que conviver com ele. O país não aguenta mais um terceiro impeachment. Votei pelo impeachment de Dilma, mas tenho que reconhecer que nós ainda estamos pagando um preço por isso.
Como vê a movimentação do partido para expulsar Aécio Neves?
Se tem Conselho de Ética, tem que levar isso ao Conselho de Ética. Uma coisa que marque definitivamente o nome, a honra de qualquer pessoa, não só de políticos, não pode ser feita em nome de voluntarismo. Tem que ser feita com os procedimentos estabelecidos.