Entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, publicada em 06 de fevereiro de 2015.
“Calila” significa Carlinhos em árabe. Era assim que dona Cotinha, libanesa, chamava o filho Carlos Jereissati. O apelido pegou. Mais tarde, foi o nome escolhido pelo empresário Tasso Jereissati para batizar sua holding, que congrega, entre outros negócios, a maior engarrafadora brasileira da Coca-Cola (Solar) e uma rede de shopping centers (Bosque). Há 17 dias, nasceu outro Calila na família, concretizando um sonho de Tasso. “Eu sempre insinuei que queria um neto com o nome do meu pai, mas todo mundo fingia não entender. Agora, meu sétimo neto é Carlos. E eu só o chamo de Calila”, diz, com visível emoção.
Os sete netos – “cada um mais espetacular que o outro” – ganham destaque especial nas quase três horas deste “À Mesa com Valor”, em torno de um “pot-pourri” de comidas típicas do Ceará, com espetinho de queijo coalho, tapioca, massas, pratos variados com frutos do mar e, ao fim, para desafiar qualquer dieta, cocada ao forno – que Tasso não comeu, por causa da restrição alimentar. Pediu abacaxi com raspas de limão. Aos 66 anos, sofre de diabetes tipo 2 e tem duas pontes mamárias e uma de safena, além de alguns stents. Quantos? “Perdi a conta. Mas precisa botar isso?”
Não, não precisa. Assunto não falta, um dia depois da posse de Tasso no segundo mandato de senador. Ele detalha a ampliação dos negócios nos quatros anos afastado da política e a necessidade de suspender o projeto de construir um shopping em Salvador, por causa da situação econômica do país. “Não existe mais mercado para shopping neste ano. Os lojistas estão sem dinheiro para abrir novas lojas. Os juros aumentaram, o crédito ficou apertado, o imposto para financiamento do consumo está mais caro, tem mais inflação e falta de confiança no futuro. Todo mundo parou os investimentos. É a nova matriz macroeconômica, que devemos ao gênio do [Guido] Mantega.”
Tasso fala do dilema da oposição diante de um eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em consequência da mistura do cenário de recessão com a crise política que pode ser causada pelas revelações da operação Lava-Jato, da Polícia Federal. “Sinceramente, é a primeira vez em que a gente está sem saber o que vai fazer”, admite. Cita, com saudosismo, a “maravilhosa” gestão de Antonio Palocci na condução da economia e, com decepção, das “trombadas” de Joaquim Levy com o governo, que reduzem o otimismo inicial com sua nomeação. “Um Levy sozinho não faz verão.” Tasso revela o susto que levou ao ser informado da antecipação, para o dia de sua diplomação como senador, do vencimento de uma dívida de cerca de “R$ 60 a R$ 70 milhões” com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), via banco privado, que seria paga em alguns anos. Mesmo tendo realizado a operação quando exercia apenas a atividade privada, o financiamento teria que ser quitado tão logo recebesse o diploma.
“Era um financiamento de dez anos. Tive de sair correndo e pagar o BNDES. Recorri a um banco privado e peguei outro financiamento, com juros mais altos. Não tenho do que reclamar. Eles [no BNDES] foram gentis. Regra é regra e tem que ser cumprida. Mas eu não era senador nem nada. E o cara que dá R$ 200 milhões para uma campanha eleitoral pode pegar bilhões do BNDES? Vou discutir isso.”
Como senador, foi um dos primeiros a denunciar da tribuna, em 2008, indícios de irregularidades na Petrobras, como problemas de caixa e empréstimos pouco usuais de bancos oficiais, detectados por sua equipe econômica, e atrasos no pagamento a fornecedores, relatados por conhecidos. Foi acusado de “traidor da pátria”, de querer privatizar a estatal e de agir em interesse próprio. Em 2009, por pouco não saiu aos tapas com o então presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, em um corredor do Senado, após dizer que a refinaria do Ceará não sairia do papel e os cearenses estavam sendo enrolados. Houve troca de insultos. Foram contidos por colegas. “Eu era mais jovem, meio esquentado. Agora estou zen.” A conferir. No primeiro mandato, deu várias demonstrações do estopim curto.
Tasso afirma que a Petrobras já teria quebrado, se fosse empresa privada. Teme que não tenha condições de apresentar seu balanço de 2014 auditado, sofra sanções do mercado internacional, como suas ações deixarem de ser negociadas na bolsa americana. Para ele, a saída de Graça Foster e diretores, necessária, não é suficiente para a recuperação da Petrobras. E dá sua receita de empresário: trocar a diretoria e o conselho de administração, injeção de recursos pelo governo e mudança do marco regulatório de exploração do petróleo da camada pré-sal (abandonar o modelo de partilha de produção, que exige da Petrobras 30% de participação em todos os campos, e adotar só o sistema de concessão).
A história do pai teve influência na escolha do restaurante Coco Bambu, especializado em frutos do mar, no Brasília Shopping. Um dos sócios operadores da unidade, Álvaro Meireles, de 33 anos, é filho de Deolindo Jorge de Sousa, que nos anos 60 trabalhou na Metalúrgica La Fonte, fabricante de cadeados e fechaduras, então propriedade da família Jereissati. Deolindo começou como office-boy, cresceu na empresa e hoje é empresário do setor de ferragens.
A opção pelo restaurante, a princípio, surpreendeu. Instalado em um shopping na região central de Brasília, o Coco Bambu tem ambiente sofisticado e acolhedor, com muito revestimento de madeira, mas são 500 lugares, divididos em ambientes no térreo e no mezanino. Normalmente, está lotado. No almoço, os clientes se servem em um bufê variado, com opções de antepastos, massas, carnes, peixes e frutos do mar. Em uma ilha de cocção, são servidos pratos de frutos do mar, carnes e massas.
Com forte sotaque cearense, Meireles garantiu o sossego da entrevista na sala reservada do restaurante, no mezanino. Para evitar o sobe e desce das escadas para se servir, foram preparados pratos mesclando itens da casa. Alguns, como tapioca de frango e de carne de sol, não são servidos no almoço. O tratamento VIP foi uma deferência ao senador.
Pouco depois de chegar, Tasso recebeu uma ligação da mulher, Renata, que na véspera dera aval para a escolha do restaurante. O assunto era doméstico. Ela estava à procura de um hotel para o senador morar durante três meses até a conclusão da reforma no apartamento do Senado onde vai morar, que foi durante anos residência do ex-senador Pedro Simon. No telefonema, Tasso orientou Renata a perguntar se faziam permuta ou alugavam por três meses.
“Sou um homeless e um gabineteless.” O senador ainda não está acomodado no gabinete, que era de Gim Argello. O apartamento e o gabinete que ocupou durante os oito anos de mandato no Senado são, desde 2011, do companheiro de bancada Aécio Neves. O mineiro também ficou com o motorista e a cozinheira que Tasso tinha em Brasília, responsável pela comida que ele e, por vezes, convidados, almoçavam em seu gabinete. No 11º andar do anexo II do Senado, era ponto de encontro da bancada. Agora, ficará “acima de Aécio”, no 14º.
“Esse queijo coalho é legítimo?”, perguntou a Meireles, no momento mais cearense da conversa. O “legítimo” é produzido por fermentação e coagulação, tradicionalmente fabricado e consumido no Nordeste. É servido em espetinhos, com uma crosta crocante e uma porção de mel – ingrediente gentilmente dispensado pelo senador, por causa da dieta. Ele provou de quase tudo. Brincando, sugeriu que dissessem ao seu médico que os pratos foram colocados à sua frente apenas para as fotografias. “Tenho restrição de gordura animal, por causa do colesterol, e de açúcar. São as duas restrições que eu tenho, apenas. O que pega quase tudo, né?”
Tomou Coca light com gelo e limão. Uma taça de vinho foi servida apenas para um brinde, mas a do senador ficou intacta, porque, dali, ele iria para a sessão inaugural da legislatura, além de dar uma passada no apartamento para conferir o andamento da obra. A conta do restaurante veio sem o vinho.
O senador Tasso Jereissati foi o candidato mais rico nas eleições de 2014, segundo levantamento do jornal “O Globo”, com base nas declarações de Imposto de Renda apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O patrimônio declarado foi de R$ 389 milhões. Questionado, diz que não fez as contas, mas é preciso “abater muita dívida”. Se é um dos mais ricos do Ceará? “Dessas listas, nunca fiz parte de nenhuma.”
Os quatro anos de afastamento da política, depois da derrota em 2010 na disputa pela reeleição ao Senado, fizeram bem à vida pessoal – nesse período ganhou os sete netos que hoje ficam em cima dele, na cama, assistindo à televisão no quarto – e aos negócios.
A pesquisa de “O Globo” constatou que o crescimento patrimonial de Tasso foi de 512% nos últimos quatro anos. Como diz não gostar de números, revela fatos. Em 2010, a holding Calila tinha como principais empresas uma fábrica da Coca-Cola (Norsa) – que atendia aos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí -, um shopping center (o Iguatemi de Fortaleza) e empreendimentos imobiliários. O grupo de comunicações, fora da holding, era integrado por uma emissora de televisão em Fortaleza (TV Jangadeiro, retransmissora do SBT) e três rádios no interior e uma na capital cearense.
Fora da política, Tasso ampliou a rede de comunicação – tem duas emissoras de televisão (uma em Fortaleza, transmissora da Bandeirantes, e uma no interior, que transmite o SBT) e duas rádios em Fortaleza e seis no restante do Estado. Fez fusões com outras fábricas da Coca-Cola e transformou a Norsa na Solar, a maior engarrafadora brasileira do produto. Atende a todo o Nordeste, Mato Grosso do Sul e parte de Goiás e do Tocantins.
Nesses quatro anos, o empresário criou uma rede de shoppings, a Bosque, construindo um em Campo Grande (Bosque dos Ipês), já em funcionamento, e outro em Belém (Grão Pará), prestes a ser inaugurado. Além disso, praticamente dobrou a área do Iguatemi de Fortaleza. Aliás, é o único Iguatemi do país que é de Tasso. Os outros que levam esse nome pertencem ao grupo do irmão, Carlos.
Nos anos em que se dedicou mais à política, de 1987 (quando assumiu o primeiro dos três mandatos de governador) a 2010, Tasso afastou-se do dia a dia das empresas e o grupo deixou de expandir. “Fui pioneiro de shopping center no Brasil [o Iguatemi de Fortaleza é de 1982]. Quando voltei para os negócios [2011], estava atrasado havia 15 anos. Eu só tinha um shopping e todos os empresários que entraram na mesma época – Isaac Peres [Multiplan], família Rique [Aliansce] e Sérgio Carvalho [Ancar], inclusive meu irmão, tinham várias unidades”, afirma. “Nesses quatros anos em que fiquei cuidando só dos negócios, montei um sistema de governança e conselhos muito mais atualizados, que dão autonomia para o grupo desenvolver por si só”, diz. Essa é a sua explicação para não temer nova estagnação das empresas, com seu retorno à política.
“Esse pratinho é meu?”, pergunta, beliscando as comidinhas. “Comeu bem o ceviche de salmão, tanto que mandei repetir”, lembrou Meireles ao fim da conversa, colaborando com a descrição do almoço. O campeão de vendas do Coco Bambu é o camarão internacional, que leva arroz, presunto, ervilha, batata palha e, claro, camarão.
A rede à qual pertence o restaurante, idealizada pelos sócios fundadores Afrânio Barreira e Daniela Barreira, está em expansão. Tem 16 unidades (13 Coco Bambu), cada uma com sócios operadores independentes, em sete Estados. Teve um faturamento de R$ 300 milhões em 2014. Até 2016, o plano é abrir mais sete unidades, uma delas em Miami. Há negociação com empresários dos Emirados Árabes para a abertura de uma unidade em Dubai.
Tasso diz que não queria retornar à política, mas atendeu a apelo de Aécio e aliados. Acreditando na vitória da oposição, candidatou-se. Além da conta do BNDES, sofreu a primeira derrota política no Senado, com a reeleição do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Apoiou Luiz Henrique (PMDB-SC). “Foi uma decepção. A minoria é muito grande. (…) Com o perdão do trocadilho, Renan, agora, é a única cunha do governo no Congresso”, afirmou, depois da vitória do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para o comando da Câmara dos Deputados.
Boa parte da conversa foi dedicada às histórias do passado. Trabalhava na metalúrgica La Fonte, do pai, com o irmão, Carlos. Como tinham negócios no Ceará, decidiram que um dos dois voltaria ao Estado. Tasso, solteiro, voltou à terra natal. Na época, havia um shopping no Brasil – o Iguatemi de São Paulo – e um projeto inovador em Brasília, o Conjunto Nacional, transformado em shopping. Resolveu ingressar no setor. Passou um mês nos Estados Unidos, tendo aulas e visitando unidades que deram certo ou não, para aprender o negócio. Construiu o Iguatemi de Fortaleza.
O relato foi interrompido pela chegada dos pratos quentes, também servidos – excepcionalmente, como observa Meireles – em pequenas porções mescladas no prato, como ravióli de frango com molho de damasco, carne de sol e lasanha, entre outros. “As massas são todas feitas aqui”, conta Meireles, que participou de quase toda a conversa. “Acho que vou ter que comer de tudo. Faz a foto e telefona para meu médico, dizendo que foi só para propaganda. Já viu propaganda de político dizendo a verdade?”
Retomando a conversa, os Jereissati adquiriram cotas do Iguatemi de São Paulo e uma unidade do mesmo grupo que estava em construção em Campinas, que pertencia à família de Alfredo Matias. Tasso morou um ano em Campinas, acompanhando a obra. Ele e o irmão acabaram encerrando a sociedade – “no campo dos negócios, eu não me entendia bem com ele”. Dedicou-se ao setor de shopping center e, mais tarde, aproveitando uma oportunidade, entrou para o ramo de engarrafamento de Coca-Cola.
Em 1985, sofreu enfarte e colocou duas pontes mamárias e uma de safena, na Cleveland Clinic, onde até hoje faz check-up anual. Nessa época, o então governador do Ceará, Gonzaga Mota, o convidou – então líder empresarial sem pretensões políticas – a disputar sua sucessão e acabar com o ciclo dos “coronéis” dos PSD que dominavam a política local: César Cals, Virgílio Távora e Adauto Bezerra. “Naquela época, era uma operação tão difícil, complicada, que, quando você vence, se sente muito bem, mais poderoso. E eu estava me sentindo muito bem, fisicamente. E, aí, os desafios normais da política ficam menores. Havia tido um enfarte e me submetido à operação. Quanto venci aquilo, achei que tudo era menor, que podia correr risco, que nenhum outro seria tão importante quanto os que eu tinha corrido.”
Consultou seu cardiologista, Irving Franco, que o estimulou. Disse haver histórico de depressão em casos de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Uma campanha eleitoral ocuparia o seu tempo. Tasso enfrentou a campanha eleitoral, em 86, com uma “equipe de amigos” que o acompanhava de perto, para evitar tapinhas no peito e pressão nas coxas – por causa do hábito de carregar políticos nos ombros. Um desses amigos era Ciro Gomes, que se tornou seu sucessor no governo do Estado e de quem hoje está afastado, por questões políticas. Na campanha, inovadora pelos “showmícios” e análises de pesquisas, o “galego dos olhos azuis” bombou. Ao fim, tinha de sair com esparadrapo nos dedos para evitar se machucar com as unhas das mulheres.
Em 2001, era governador do Ceará e foi cotado para disputar a sucessão de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República, em 2002. Seu nome havia sido lançado por Mário Covas. Mas foi preterido. O escolhido foi José Serra. O episódio rendeu forte discussão entre Tasso e FHC. Enquanto se dedicou à política, agregou aos negócios o ramo das comunicações, com a concessão da primeira emissora de televisão. Era amigo do então ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães. Foi o único empreendimento iniciado na carreira política, diz ele. Apesar do efeito negativo da dedicação aos mandatos eleitorais nas empresas, Tasso não contabiliza prejuízo. “Sabe por quê? Tive uma vida tão mais rica de experiências do que meus amigos… A experiência de vida dos meus amigos, que cresceram muito nos negócios, não se compara à minha.”
Tasso afirma ter ganhado uma visão de Brasil e de mundo mais abrangente, aprendido a conviver com pessoas “completamente diferentes” e assimilado “as sutilezas da política” – que falta aos amigos que até hoje lhe cobram a razão pela qual a oposição não pediu o impeachment do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando estourou o escândalo do mensalão.
A administração mais profissionalizada dos negócios vai permitir que Tasso se dedique ao mandato, mas de uma coisa não abrirá mão: da convivência com os netos. No ano passado, levou os dois mais velhos à Disney no jatinho de oito lugares de sua propriedade. “Quem curtiu mesmo fui eu. Passei a Disney toda andando com um na corcunda, porque eles cansam.”
Tasso não anda com um séquito de assessores e não tem contas pessoais nas redes sociais. Tem um tablet, que usa para ler e-mails, jornais e revistas. Embora goste do e-reader para ler livros, no momento está lendo no iPad o e-book “Eike Batista e a Verdadeira História do Grupo X”, da jornalista Malu Gaspar, e o impresso “A Guerra que Acabou com a Paz”, da historiadora Margareth McMillan.
As quase três horas de conversa não foram suficientes para o senador revelar o famoso segredo da receita da Coca-Cola. “A gente compra da Coca-Cola uma pasta secreta, que a gente chama de concentrado. Chega em botijões. A gente faz uma mistura com água e açúcar e adiciona gás, CO2. Faz o líquido e engarrafa. Todo mundo procura decifrar a receita, mas não sabemos.”