Entrevista à Revista da FIEC, edição de Fevereiro de 2015.
No último dos 12 andares da Torre Empresarial Iguatemi, vizinha ao shopping do mesmo nome, o contraste da vista entre o final de tarde com o sol se pondo sobre a vegetação da mata do Cocó e a lua cheia que se apresenta imponente e misteriosa deixa em segundo plano o horário marcado. Com a influência do presidente Beto Studart, o senador Tasso Jereissati aceitou conceder entrevista para a Revista da FIEC, abrindo sua agenda mais do que atribulada diante dos últimos acontecimentos no cenário político nacional. Na conversa, ocorrida em uma quinta-feira, o senador acabara de chegar de Brasília, e antes de conversar com a Revista da FIEC, visitou as obras de ampliação do Iguatemi, que serão entregues ao público em abril.
Sereno, fez questão de usar as palavras cautela e equilíbrio para definir o posicionamento que deve ter a oposição em relação ao quadro nacional. Nesse sentido, descartou que o PSDB esteja à frente de qualquer movimento relacionado ao impeachment: “não estamos à frente, nem o temos como bandeira”, reforça. Isso não significa que seja complacente com as ações do Governo Dilma Rousseff em relação ao ajuste fiscal. “As medidas tomadas, para mim, estão passando do limite da dureza”. A superação desses limites é o mote para afirmar que o clima no Congresso nunca esteva tão pesado. “Há um sentimento enorme de frustração, de desagregação no Senado, de perplexidade diante de tudo que está acontecendo, muita tensão política, e as expectativas na economia, pelo menos este ano, são muito ruins”.
Apesar do cenário difícil, Tasso não perde o humor ao lhe ser pedido um conselho para os empresários que estão pessimistas: “tenham fé”. Quando a pergunta é sobre se a fé sustentaria as intenções do empresário em relação a futuros investimentos por parte de suas empresas, o tom é outro: “tenho juízo”. Para o governador Camilo Santana, se lhe fosse pedido um conselho, o senador, que governou o Ceará por três vezes, diz que deve esquecer “essa história de refinaria”, lembrando que há anos já tinha dito que o projeto não se concretiza
POR Ana Maria Xavier e Luiz Henrique Campos
Fotos J. Sobrinho
Revista da FIEC – Senador, o senhor está retornando ao Senado e queríamos começar lhe ouvindo sobre o cenário político nacional, levando em conta também as diferenças em relação ao período no qual o senhor exerceu essa mesma função.
Tasso Jereissati – Eu diria que fiquei bastante surpreso com o ambiente no Senado. Não em relação ao que está acontecendo no Brasil, mas em relação ao Senado que eu havia vivido nos últimos anos e principalmente quando da minha chegada pela primeira vez, quando o Brasil vivia uma festa. O Lula tinha acabado de ser eleito presidente, havia uma euforia muito grande, perspectiva de mudança e a mudança sempre traz esperança. Eu era de oposição, não tinha votado no Lula, mas não podia deixar de reconhecer que a mudança sempre traz esperança. Mesmo nós, da oposição, tínhamos uma expectativa. Se não tão positiva em relação ao governo, mas uma visão muito positiva daquele momento histórico. Era um operário, macacão azul, sindicalista, PT, migrante nordestino, que tinha chegado na presidência da República em meio a uma normalidade institucional extraordinária. Agora é o contrário: há um sentimento enorme de frustração, de desagregação no Senado, de perplexidade diante de tudo que está acontecendo, muita tensão política, e as expectativas na economia, pelo menos este ano, são muito ruins.
RF – Senador, diante desse quadro, é possível se prever o que podemos esperar para os próximos meses?
TJ – Muita tensão. A lista do Janot (Procurador-Geral da República) causou um estrago grande, ao mesmo tempo, um clima de muita insegurança e atrito entre a Câmara, o Senado, e o Executivo, e nós vamos ter uma crise política enorme garantida nos próximos meses. Ao mesmo tempo, em função do atrito entre o Executivo e as duas casas do Congresso, podem surgir soluções. Muitos projetos que estão parados deverão ser votados rapidamente, principalmente na reforma política. Agora, será um momento também de muita tensão nas ruas porque deve se começar a se sentir nas ruas com mais intensidade os reflexos econômicos.
RF – O senhor é uma das principais lideranças políticas do país no campo da oposição. O que o senhor, com outras dessas lideranças, principalmente do PSDB, têm conversado sobre os desdobramentos dessa crise política e como será o papel da oposição diante dessa crise?
TJ – A situação é tão grave que em todas as conversas que temos tido nesse momento as palavras mais presentes são cautela e equilíbrio. Nós não podemos ceder a tentação de ajudar a piorar a situação, de levar a um extremismo as tensões. Acho que temos o papel de exigir rigor nas apurações, querer uma reforma profunda, mas ao mesmo tempo atuando com cautela para evitar pré-julgamentos.
RF – Em relação ao impeachment, então?
TJ – No caso do impeachment, não estamos à frente, nem o temos como bandeira. Não sabemos qual vai ser o desdobramento na área jurídica, e se houver um desdobramento na área jurídica nesse sentido, nós evidentemente precisamos acompanhar esse desdobramento.
RF – A solução da crise política passa pelo Congresso, mas diante da situação na qual os presidentes das duas casas têm os nomes envolvidos com irregularidades, o parlamento não corre o risco de ficar acéfalo para conduzir essa solução?
TJ – Eu digo que por um lado, pode ser que sim. Mas por outro, o Congresso pode passar a desempenhar um papel que há anos não desempenha, no sentido de ser um participante decisivo na legislação. O Congresso tem sido um mero avalizador, um mero sancionador de projetos de lei, Mps, que vem do Executivo. Pode ser que passe agora é ter uma função mais ativa, o que já está acontecendo. A Câmara, por exemplo, colocou a reforma política em execução; no Senado simplesmente nós não aceitamos essa medida provisória da desoneração da folha de pagamento, existe a perspectiva de derrubarmos alguns vetos da presidente, coisa que nunca foi feita. Então pode ser que haja uma mudança positiva.
“Não adianta ter dois ou três jogadores muito bons, o resto perna de pau e um técnico desastroso. É mais ou menos o que está acontecendo hoje.”
RF – E o que se pode esperar desses reflexos políticos na economia?
TJ – A economia, independente da política, foi desarrumada de uma maneira tal, que o mais competente dos economistas, se fosse colocada como missão desarrumar a economia, seria difícil fazer o que eles fizeram. Todos os números, todos os indicadores econômicos, estão ruim e piorando. Não dá para esperar nada de bom na economia. A não ser em uma perspectiva futura que valha para dar um novo ânimo para o país lá na frente. Isso agravado pela crise da Petrobras e das empreiteiras, com investimentos fundamentais no Brasil para obras de infraestrutura, que pode trazer um crise junto ao sistema financeiro, com inadimplências etc. Então a perspectiva é muito ruim.
RF – As propostas de ajuste fiscal que o Governo tem apresentado estão no caminho certo?
TJ – Eu acho que as propostas que o ministro Joaquim Levy está apresentando são muito mais duras e austeras, mesmo em uma situação na qual a economia fosse mal e o governo tivesse credibilidade. O que eu vejo é que infelizmente, em função do governo, a própria estrutura do governo, o ministro está tendo que propor medidas muito duras, e que podem trazer consequências muito graves. Eu esperaria que o governo mudasse. Mudasse a sua postura, tivesse atitude mais humilde e abraçasse uma política econômica que inspirasse maior confiança e as medidas pudessem ser mais brandas. As medidas tomadas, para mim, estão passando do limite da dureza.
RF – Mas o senhor tem alguma esperança de que o governo possa vir a rever algumas dessas medidas?
TJ – Eu não tenho esperança, porque a postura da presidente da República parece ser um dos problemas. Tem o problema político, tem o problema da Petrobras, da economia, mas tem também o do temperamento da presidente. Se ela tivesse um temperamento mais democrático, mais humilde, aí eu poderia ter esperanças. Mas ela está cometendo tantos erros, com consequências tão graves, um depois do outro…quem sabe uma hora ela aprende.
RF – A presidente colocou nos ministérios (Armando Monteiro, Mdic; Kátia Abreu, Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e Joaquim Levy, Fazenda) três nomes ligados ao setor produtivo, em áreas estratégicas para a economia. Essas áreas não estariam atendendo as expectativas do setor empresarial?
TJ – Eles não podem fazer muita coisa. Ela fala uma linguagem e os ministros falam outra. Mas falou em alguns ministros, porque a composição do ministério, no geral, é muito fraca. É a velha e usada imagem do futebol: o time tem que ser bom. Não adianta ter dois ou três jogadores muito bons, o resto perna de pau e um técnico desastroso. É mais ou menos o que está acontecendo hoje.
RF – Senador, ainda dentro da questão política, o PSDB é hoje o principal partido de oposição ao Governo Federal. Mas o senhor não vê o risco de pelo quadro de indefinição que estamos passando hoje, políticos que apostem no quanto pior melhor possam assumir o protagonismo na cena nacional?
TJ – O PSDB tem como pressuposto bá- sico hoje a preservação das instituições e da democracia. A partir daí nos temos o papel de passar o Brasil a limpo, de ser absolutamente implacável na função de fiscalizador, corrigir e punir todos esses atos de corrupção que aconteceram; propor reformas políticas e ajudar a votar, e também, ajudar e pressionar o governo a tomar as medidas necessárias para que o Brasil volte ao seu caminho de normalidade. Mas, por exemplo, você faz uma proposta que reduz os impostos dos empresários, que melhora a vida dos trabalhadores, mas se você não corta na própria carne, não inspira confiança. Primeira coisa: são 36 ministérios, corta para 20. São 35 mil cargos comissionados, corta para 20. E aí você veria que o governo passaria para a sociedade a mentalidade e o interesse em cortar na própria carne.
RF – Dentro desse desenho traçado em relação ao país, como o senhor vê a situação do estado do Ceará?
TJ – Pelo que estou acompanhando, não tenho informações mais detalhadas, estou até pedindo para algumas pessoas que me ajudem a levantar dados mais precisos sobre a situação financeira do estado, não estamos em uma situação financeira folgada. Estamos com dificuldades em colocar para funcionar as obras que foram feitas – o que para mim foi um grande equívoco do governo anterior, fazer obras sem saber como iriam se sustentar. Então, as obras estão aí, mas não há recursos para fazê-las funcionar. Não se faz um grande empreendimento sem planejar como aquilo vai se sustentar. Quais são as fontes? Vai viver de receita própria, gerido como empresa, com fundos do governo? Essas obras vão exigir do governo um saco de dinheiro para se sustentar. O Acquario nem se fala. Os hospitais, fizeram, mas não conseguem colocar para funcionar a contento. Essas obras, a maioria, o governo não vai ter como botar para funcionar. E nós vamos estar dentro da crise geral do país. E vocês sabem melhor do que eu que não foi prioridade no último governo o incentivo à indústria, que ainda é o grande gerador de desenvolvimento.
“Eu acho que os empresários têm que ter um papel muito mais ativo agora. A palavra é mais do que participativo, tem que ser proativo.”
RF – Aproveitando o gancho, a refinaria, que era tida como instrumento fundamental para alavancar o desenvolvimento do Ceará e não vai mais vir…
TJ – Me permita uma correção. Não é que a refinaria não vai mais vir. Há anos que eu venho dizendo que essa refinaria é uma farsa. Quem lembra, em uma campanha dessas, a Dilma ou Lula veio aqui e com o governador falaram sobre a instalação da refinaria, e nós colocamos um filmezinho mostrando que existia apenas o terreno da refinaria. Mas eu digo que era falso não é porque eu achava somente. Era porque não constava a refinaria do Ceará no plano de negócios da Petrobras. Como ela estava fazendo uma refinaria gigantesca (no Maranhão), com problemas enormes, que era para custar U$ 2 bilhões e agora está custando U$ 20 bilhões, era impossível fazer outra refinaria no lado. Agora estão usando a crise da Petrobras para encerrar de vez uma farsa que vieram montando. E aí, ou é um erro de ingenuidade do governo anterior, ou sei lá o quê, mas nós acabamos sem nenhum outro projeto de desenvolvimento para o estado, porque focamos só na refinaria. Então, não existia, nem vai existir. Essa história de que ainda se está tentando, agora é que não vem mesmo. A Petrobras, pelos próximos quatro anos, não vai ter dinheiro nem para se manter direito. Não vamos cair mais nessa. Vamos ter que partir para outro projeto imediatamente.
RF – E qual seria esse novo caminho para o estado?
TJ – Eu diria que nós temos hoje que concentrar a atenção em duas coisas: educação e infraestrutura. Educação porque precisamos alavancar o desenvolvimento com indústrias que vão exigir mão de obra qualificada. Temos que fazer um esforço como fizeram a Coreia, vários outros países, para dar um salto na educação. De maneira que a empresa interessada em vir se instalar aqui seja atraída por essa mão de obra qualificada. O segundo é infraestrutura, como nós fizemos com o porto, o novo aeroporto; espera-se que o projeto da Transnordestina ande, e juntando essas duas coisas se montar uma política de incentivos. Não precisa ser de incentivo fiscal. Mas de apoio, suporte do governo para a instalação de indústrias aqui.
RF – Pela experiência que o senhor tem, se o governador Camilo lhe pedisse um conselho, qual o senhor daria?
TJ – …É difícil eu dar conselho nessa altura. Mas eu diria o seguinte: Primeiro esquecer essa história de negociação com o Governo Federal em torno de refinaria e partir para outros projetos. Seja na área de tecnologia, enfim. O ITA aprova 20% de cearenses, porque não aproveitar essa mão de obra criando alguma coisa do tipo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Mas isso bem pensado e discutido com a sociedade, com a indústria, com o comércio, a universidade, mas focar em um projeto que nos compense com o que nós gastamos com a refinaria, porque gastamos ali muito dinheiro. Mais do que a Petrobras. O segundo seria uma política de educação fortíssima no sentido de preparar a próxima geração para ser a mão de obra qualificada para lidar com esses projetos futuros. Além de dotar o estado de uma infraestrutura condizendo. Mas isso eu estou falando em termos de desenvolvimento econômico. Porque ainda convivemos com atrasos seculares. Você pensar que aqui em Fortaleza encontramos bairros que ainda não têm saneamento é absolutamente inadmissível. Isso tem que ser uma prioridade absoluta na aplicação de nossos recursos. E outro ponto é fazer uma política de segurança profissional. Sem ser com amigos, mais chegados, mas com planejamento de curto, médio e longo prazo.
“Eu já vivi a crise do governo Collor, já vivi um período muito difícil do governo Sarney e ao mesmo tempo que vivi tudo aquilo, vejo que agora está se repetindo em uma dosagem muito pior.”
RF – E se lhe fosse pedido um conselho por parte dos empresários em relação à economia o que senhor diria para eles hoje?
TJ – Eu diria como Jesus disse para Pedro: tenha fé (risos). Mas olhe, eu acho que os empresários têm que ter um papel muito mais ativo agora. A palavra é mais do que participativo, tem que ser proativo.
RF – Mas o senhor diz para além das empresas?
TJ – Claro, para além das empresas. O empresário, e esse, pelo que eu conheço do pensamento do Beto (Studart, presidente da FIEC), não é para ver a empresa como uma ilha isolada dentro da sociedade. A indústria precisa de uma mão de obra bem qualificada, bem alimentada, saudável e consumidora, de água, energia. Então, vai além das empresas.
RF – Agora o senhor como empresário está com essa fé toda em relação ao futuro dos seus negócios?
TJ – Eu já vivi a crise do governo Collor, já vivi um período muito difícil do governo Sarney e ao mesmo tempo que vivi tudo aquilo, vejo que agora está se repetindo em uma dosagem muito pior. Os problemas da Era do Collor eram pequenininhos na frente do que temos hoje. Mas de uma maneira ou de outra o Brasil vai andando, e eu acho que é mais uma oportunidade que nós políticos, empresários temos, de passar o Brasil a limpo. O problema é que parece que quando a coisa começa a melhorar um pouquinho as pessoas se acomodam e fingem que não estão vendo as coisas erradas que estão acontecendo ao lado.
RF – Senador, o senhor hoje ainda tem atuação direta nas suas empresas?
TJ – Não. Está tudo profissionalizado, e quando dou palpite ainda reclamam (risos).
RF – Está previsto para o Iguatemi uma grande expansão em abril. Depois disso, as empresas estão planejando novos investimentos?
TJ – Nada. Tem uma expansão acontecendo no shopping de Belém, mas é hora de segurar rédeas.
RF – Tem que ter fé, mas tem que esperar?
TJ – Tem que ter fé, mas também juízo (risos).
RF – Senador, o que lhe fez voltar a pleitear uma vaga no parlamento, após ter dito que não disputaria mais eleição, e que iria se dedicar aos netos? Os netos deram mais trabalho do que o senhor imaginava?
TJ – Não, não, me deram muita alegria. Foi a melhor fase dos meus últimos anos. Mas foram as circunstâncias. Primeiro, como todos sabem, sempre fui um crítico de tudo isso que estava acontecendo e sem querer ser melhor do que ninguém, predisse que isso que está acontecendo um dia ia chegar. Aliás, em 2008 fiz um discurso dizendo que a Petrobras iria quebrar se continuasse daquele jeito. E quase fui linchado como traidor da pátria. E os descalabros de política econômica que o governo estava fazendo. Eu tinha muita convicção de que o Aécio podia ganhar a eleição. Poderíamos apresentar um governo novo, um PSDB renovado com o que é o mundo de hoje, diferente de quando Fernando Henrique foi presidente. E terminar com isso que está aí, com a desonestidade apodrecendo as estranhas do país. Porque nós jogamos fora a maior oportunidade que nós tivemos, com tudo a favor do Brasil. Tínhamos tudo para darmos um salto gigantesco. E achei que como candidato poderia contribuir para essa mudança no país, mas também no Ceará. Porque eu via que o estado estava sendo enganado com a promessa de grandes projetos que nunca vinham. E tínhamos uma classe política muito acomodada, sem lutar, reclamar por aquilo que o Ceará precisava.
RF – Senador, o senhor sente falta daquela movimentação na sociedade encetada quando da época que fez parte do CIC? Hoje, daquelas pessoas, o senhor é dos poucos que permaneceu nessa atuação mais política. Uns tomaram outros rumos…
TJ – …você quer dizer envelheceram, né (risos). Olhe, eu acho que este é o exato momento da Federação das Indústrias assumir aquele papel e ocupar este espaço. Tenho muita esperança que volte a ocupar esse espaço.